UMA MANHÃ CLARAMENTE PORTUGUESA
Leiria, 9/II/2013, sábado
Sim, é uma manhã claramente portuguesa. A luz é
toda. Dos lados da Taberna Lagoa (fundada em 1930), o Rio faz bem só de ser
olhado. As aves regurgitam saúde no azul muito branco. De manhã, amandei-me uma
posta de bacalhau desfiado, alhado e azeitado em punheta. À tarde, há União de
Leiria-Marrazes no estádio. Um homem lê A
Bola murmurando labiações soletrantes. Passa de BMW o Rodrigues da farmácia
com a amante. No Lagoa, um solitário de botas de cavador trincha um belo pedaço
de orelheira amaila uma meia litrada de roxo. Três rapazes do chá-mon enrolam
mortalhas de papel-bíblia com tabaco-de-onça marca Águia. A Noémia da confeitaria coça uma mama distraída enquanto se
prognostica a irremediabilidade do amor contrariado que há tantos anos nutre
pelo Pascoal dos plásticos, que nunca s’há-de separar da mulher, aquela bisca,
aquela manilha, aquela sota. Cato pão esmifrado na relva dos pardais: tinha,
como eu, o pão, envelhecido em casa. Ando à luz – e dou por mim sem pensar nos
meus amados mortos há mais de meia hora: um recorde olímpico. Sou o de blusão
verde-ranho pela beira-Lis. Sou o contabilista de instantes inofensivos. Ao
contrário do que vaticinava o meu Professor Elias, acabei por não salvar o mundo.
Em compensação, apascento sílabas que querem ser quilovátios. A vida é bonita
do lado esquerdo. Pensar que um dia as moléculas se rompem para se tornarem
outras corporações. À noite, no Louriçal, há noite de fados com a Cristiana,
filha júnior do João Portulez. No mostrador, um naco de presunto ensina ao
olhar a púrpura emoldurada a ouro-ranço. Uma mosca dura como um fragmento de
botelha patanisca-se em mármore. Há coisas que podem e devem ser ditas, Noémia.
Não me chamo Pascoal, sou tão-só feliz à beira-Lis – e sou, claramente, sou,
por minhas voz & vez, um matutino claramente português.
8 comentários:
E o bom português traz em si toda a melancolia do fado...
Maravilhoso texto, como de costume!
Muito, muito obrigado, Malena.
Porra,Abrunheiro! A beleza existe.
Existe sim-senhores, amigo Dromófilo.
talvez por se ter passado "minha beira" me soe melhor. Neste mesmo dia fiz o mesmo precurso, talvez no sentido inverso, e também a mim apeteceu ir ao lagoa comer uma snadocha de atum e beber um branquinho, tal como o fazia há meia dúzia de anos atrás. Em tardes de pouco trabalho e menos dinheiro no bolso, era lá que parava, por vezes com 1 ou 2 dos meus colaboradores. Era lá ou na Gracinda da Srª da Encarnação, que repousava que retemperava o físico e quantas vezes a alma numa conversa atrasada com um qualquer amigo de longa data.
Obrigado meu caro, há tempos que o sigo através de amigo que não sei se comum.
Boas escritas.
talvez por se ter passado "minha beira" me soe melhor. Neste mesmo dia fiz o mesmo precurso, talvez no sentido inverso, e também a mim apeteceu ir ao lagoa comer uma snadocha de atum e beber um branquinho, tal como o fazia há meia dúzia de anos atrás. Em tardes de pouco trabalho e menos dinheiro no bolso, era lá que parava, por vezes com 1 ou 2 dos meus colaboradores. Era lá ou na Gracinda da Srª da Encarnação, que repousava que retemperava o físico e quantas vezes a alma numa conversa atrasada com um qualquer amigo de longa data.
Obrigado meu caro, há tempos que o sigo através de amigo que não sei se comum.
Boas escritas.
talvez por se ter passado "minha beira" me soe melhor. Neste mesmo dia fiz o mesmo precurso, talvez no sentido inverso, e também a mim apeteceu ir ao lagoa comer uma snadocha de atum e beber um branquinho, tal como o fazia há meia dúzia de anos atrás. Em tardes de pouco trabalho e menos dinheiro no bolso, era lá que parava, por vezes com 1 ou 2 dos meus colaboradores. Era lá ou na Gracinda da Srª da Encarnação, que repousava que retemperava o físico e quantas vezes a alma numa conversa atrasada com um qualquer amigo de longa data.
Obrigado meu caro, há tempos que o sigo através de amigo que não sei se comum.
Boas escritas.
Muito obrigado pela leitura e pela gentileza do comentário, caro Fidalgo. Seja sempre bem-vindo.
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