SONETOS PROSAICOS PARA NADA MAS ’INDA
ASSIM
Leiria, 18/II/2013, segunda-feira
I
Enquanto migava e atirava
o pão do dia à pomba
da manhã, ocorrendo-me
veio a visão de um re-
trato dos antigos, um de
cinco figuras, das quais
quatro idas já, uma
vivente ainda mas por um
fio. À esquerda extrema, a
Avó, desalojada da dig-
nidade do centro por
loucura símia no rosto
patente e semblante; à
sinistra dela, a inevitá-
vel Tia solteira, de peito
chato à fundo de barco;
ao centro, a Mãe; depois,
desta as duas filhas:
irrelevantes magnólias. Só
a da ponta direita vive.
Tem um
quarto-cozinha-retrete em Queluz. Cons-
ta que lhe ficou o
prometido no Ultramar, mas
de tal nunca lhe houveram
notificação oficial. Tam-
bém consta todavia que
não, que é viúvo e vive em Oeiras.
II
Teve um só desgosto mas
vários maus passos.
É ’inda assim uma mãe como
outras tantas.
Foi vista com diversos no
Estádio das Antas:
com o Rui contra o
Penafiel, com o Tó contra o Paços.
É Ermelinda, tem suas
cruzes. Leva a vida
entre a Sé e os Aliados,
que frequenta
entre a vida que sonhou e
a que aguenta
enquanto não dobra o sino
por lhe despedida.
Mais não sei. Tenho ouvido
dizer.
Mas do que se ouve, vá-se
lá saber
se o que consta, conta ou
não conta.
Derredor, a Invicta,
laborinha,
faz de conta(s) o rosário
da vidinha,
que, certa, a morte a
tanto monta.
III
Da veterania que sofrem os
velhos combatentes,
sei eu muito – que bem os
vejo no Lagoa
armados de decepção até
aos dentes,
aliás acrílicos, tipo
Fernando Pessoa.
Serve ao mármore firme
viúva.
Ele é a cabeça do
chicharro, a porcina orelha,
a isca encebolada, a
libação vermelha,
que tudo tão bem sabe
enquanto a chuva
lá fora arpeja a harpa, ó
farpa imensa.
Envelhecer o ser, é
inverno que se pensa
fora de toda a primavera,
por futura.
Algum, verdade, têm de
seu, que o pouparam.
Joga-se agora a sueca, já
embaralharam.
Mais rija é a morte que a
vida dura.
IV
Do mel (do mal, de tanto
bem) de um homem
de sua dele mulher
polinizado, em abelha o furor do amor
leite se fez – e então
carne: o filho, jovem,
jorrou de pura água
amniada em fervor.
(Mais que sexo, mete este
soneto assunto adentro.
Do emprenho, o empenho é
purpúreo vinho
que liba do mundo o
sentido ao centro
da terra e do céu, e do
Algarve ao Minho.)
À fria noite, no tálamo do
casebre, o azeite
tremula dos três a
consequência do leite.
Abre-se a mãe em rosa.
Parida, maravilhosa,
ela a pai & filho
congrega, o pão rachando.
Assim se vão e vêm os três
amando
em leite e mel e água e
vinho e azeite e rosa.
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