21. AGORA A CORES EM LEIRIA
Leiria, segunda-feira, 12 de Setembro de 2011
CORES, UM
Duas mulheres conversam atabafadamente na tarde. A tarde é uma azulejaria: uma estampa de gás: uma fragrância azul-ouro conspirando claros olhos. Estão de sandálias e amodorram-se numa gramática baixa-voz: mais quando as confidências, essas quase surdas cigarras, formigam o éter do salão de café & refrescos.
Vim do lado do rio. Soprei-me acalmações em corpo de fina blusa. Calcei passos leves, que me demoraram toda a ida que uma vinda, a(o)final, é. As sombras longo-avenidas estavam texturas dérmicas.
Um doutor velho lê a edição de ontem do Jornal de Notícias. Nevam dele películas mínimas, que uma pomba bica e engole de papo pulsando como um coração verde-chumbo. O doutor velho é todo azul-cinza, todo sapatos castanhos e meias creme. O todo-dele é o quase-nada a que a muita passagem reduz toda-a-gente. Muitos anos, muitos jornais: e tão pouca notícia, que aliás tento nestes cadernos calígrafos,
agora a cores em Leiria.
CORES, DOIS
Uma revoada de aves já outonais
concretiza o pleno da atenção que te tenho.
É no mesmo país, eu sei, mas a que país
pertence um céu destes, tal campânula
de seda estampada a ouro-velho, a carmim
e a veludo-pomes quando a Lua iça
do chão o olhar dos não-levantáveis?
A atenção que te tenho, soerguida e sopesada
a facturação das televendas (colchões ortopédicos
para velhinhos de lar terminal, dízimo-cristos
de dólar-evangelização brasileira), retida
e retenente e rutilante atenção que te tenho,
fazendo das minhas mãos duas conchas
que a maré de ti-corpo dá à praia
dos dias quando se faz noite (a)manhã.
Um trote de cavalheiros sobre verniz antigo
de assoalhados coimbras-clubes, onde
até as putas de ofício eram amais discretas
que a tristeza-capilé das casadas
com casados-ginjinha, sabes, acordeão-
-jazzband-contrabaixo, o rumor vinagroso
dos jaquinzinhos fritos, os verões escuros
das pessoas que praticam o insensato
catolicismo da poesia.
Aves tonais
etc.
CORES, TRÊS
Homem de camisa verde-garrafa e homem de camisa azul-brancomangas. O de verde, bigode. O de mangas brancas, escanhoado como uma bola de bilhar. Casamento infeliz, nem sempre é redundância, mas é acerto no caso do azul-branco. O garrafa é desquitado. Mercam coisas, ambos. O branco, seguros. O verde, laranjas. Conversam na tarde, falam de azulejos.
CORES, QUATRO
O pássaro passa em dele a linha mesma,
escuro que a branco sobre azul produz em luz.
Um prédio vigia a demora da passagem,
duas-bandeiras marcam a pensão três-estrelas.
A Cidade de Leiria acontece toda ao mesmo tempo
no pássaro mesmo: em linha. As cores são,
da janela do ente vistas, alusões ao início:
onde o vulcão dos pais, a cinza dos pais.
CORES, CINCO
A distracção é devagar que se torna atenção.
E cor: é vagarosa a cor. A barba azulada
na cara do homem que pensa na filha,
no chefe, no destino das relíquias que respiram
o tempo dele de que ele foi. Um pote
de barro vermelho com fria banha de porco.
Um retrato de pai flor-secando, a culinária
que a mãe guardou na estante. Um coto
de lápis.
Estas pessoas agiurdindo na tarde claríssima:
delas as votivas sombrias manchas dinâmicas.
Estas casas senhoriais destinadas já tão-só
a rótulos de vinh’adegacooperativacacique.
O tempo do Tempo delas: as pessoas-gaze.
Sim: se a cor é rápida, a cor é rapace,
rapazes.
CORES, SEIS
O chão pisado pelos corpos, pelas máquinas deles.
Os vinhateiros que pontuam os cosmoramas.
A tão frondosa ramalhagem das frases eólicas.
E a derrapagem dos preços no coração doméstico.
O homem que vai comer à Sopa-dos-Pobres.
As pérolas de baquelite nos colos veros.
Os carros da comitiva (ir)real.
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