1. Um Não! muito branquinho
In O Ribatejo – www.oribatejo.pt
Corria o ano de 1957. Em Inglaterra, saía a lume um livro chamado “Declaration”. A obra era composta por oito depoimentos de outros tantos jovens autores britânicos então na berra. Querendo-o ou não, ficaram para a História como os “Angry Young Men”, qualquer coisa como os “Jovens Coléricos” (ou “Irados”, “Chateados”, “Danados” etc..)
Tenho andado a ler a tradução portuguesa desse volume, que foi feita por Artur Portela Filho e publicada pela Editorial Presença em 1963. Estou a gostar. Esta tarde, estava, para vos ser ainda mais franco que de costume, um bocado à rasca para fazer a crónica. Pensava nisto, pensava naquilo – e nada de jeito me corria, nem ocorria, nem escorria. Nada. Até que eis senão quando me deparo com uma passagem de John Wain (1925-1994) no tal livrinho. Esta aqui:
“Creio que temos de ter coragem suficiente para caminhar para a frente passo a passo; e isso significa ter a coragem de dizer Não! aos nossos imbecis, por muita influência e importância que tenham”.
Fiquei com o meu problema resolvido. É que domingo que vem, dia 7, parece que estão à nossa espera em Bruxelas. À nossa espera, não. À espera que paguemos o bilhete de avião, o almoço, o jantar, a estadia e o subsídio a uma série de figuras iguaizinhas umas às outras que andam todas ao privado igualzinho da mama pública.
Pus-me a pensar no que lia e a vida iluminou-se-me: crónica já tenho, domingo já sei o que vou fazer – vou dizer que “Sim!” a este “Não!”. É que, não sendo já “young”, ando “angry” como o raio.
Isto é: pela primeira vez na minha vida, vou votar em branco. Nunca, até hoje, falhei um acto eleitoral. Nunca deixei de exercer civicamente o meu direito de voto. Também não vai ser desta que me abstenho. Preciso da democracia. E se a democracia é ir a votos, eu vou a votos. Não quero cá ditaduras, nem brandas nem duras. Vou votar. Mas levo comigo a receita do John Wain (não confundir com Wayne, o cowboy republicano dos filmes do zamericanos): coragem suficiente para, em branco, dizer “Não!” aos “nossos imbecis”.
2. Brancamente falando
Jornal de Alcochete – www.jornaldealcochete.com
Correio do Montijo – www.correiodomontijo.com
Em Abril de 1973, na cidade de Paris, escreveu António José Saraiva:
“O mundo das ideias feitas, em que assenta qualquer sociedade, é apenas um imenso banco de palavras a que atribuímos um valor de realidade. Elas não são apenas moedas de circulação, mas valor acumulado que representa o haver da sociedade inteira. Basta que esse crédito seja posto em causa para que a sociedade fique à beira da falência.”
O professor tratava, então, da questão do neo-realismo português como arte ou não-arte no contexto literário-cultural do salazarismo. Esqueçamos esse contexto, porém e por agora. O que me fez citar-vo-lo tem a ver com “algo completamente diferente”, como diziam os maravilhosos Monty Python: as eleições europeias de 7 de Junho.
Começo por vos dar a minha palavra de honra: nunca falhei um acto eleitoral. (Na verdade, os resultados práticos dos actos eleitorais é que me falharam a mim, sempre…) No próximo domingo, não conto falhar. Estou decidido a ir cumprir o meu dever cívico. Levo-me a mim nas pernas e ao cartão de eleitor no bolso da camisa, apresento-me na minha secção de voto, escondo-me atrás do biombo, regresso à urna (salvo seja) e está feito. Com esta singular diferença: desta vez, o meu voto vai ser mais imaculado do que nunca. Como assim? Assim: o boletim há-de regressar como veio. Isto é: em branco.
Faço parte da sociedade. Não perfilho já das ideias feitas que a sustentam. Pertenço a uma realidade desvalorizada, desacreditada e pré-falida. A minha palavra (o meu voto) será, pois, como aquela feérica menina dos sete anões: branca e fria de neve, por mais calor que cá fora arda.
Não me abstenho. Não risco indecências no boletim de voto. Branquejo, por assim dizer. Não vou pelas ideias (des)feitas e pretensamente “europeias” de nenhum dos candidatos de nenhum dos partidos. Não lhes atribuo valor. Não dou troco às tais “palavras-moedas” de que fala António José Saraiva. Por outras palavras: ando chateado.
Mas atenção: não é com a democracia que ando aborrecido. É com a democracia ser tão portuguesa e tão alegadamente “europeia”. É com esta malta sediciosa que vai a votos por causa do “tacho” dourado de Bruxelas. É com esta galopante pobreza nacional, este falsíssimo optimismo que nos mente terreiros-do-paço em becos-do-gato.
Não. Vou dizer(-lhes) que não. Vou dizer(-lhes) que não em branco. É a minha primeira vez. Suspeito de que não será a última, professor A. J. Saraiva.
In O Ribatejo – www.oribatejo.pt
Corria o ano de 1957. Em Inglaterra, saía a lume um livro chamado “Declaration”. A obra era composta por oito depoimentos de outros tantos jovens autores britânicos então na berra. Querendo-o ou não, ficaram para a História como os “Angry Young Men”, qualquer coisa como os “Jovens Coléricos” (ou “Irados”, “Chateados”, “Danados” etc..)
Tenho andado a ler a tradução portuguesa desse volume, que foi feita por Artur Portela Filho e publicada pela Editorial Presença em 1963. Estou a gostar. Esta tarde, estava, para vos ser ainda mais franco que de costume, um bocado à rasca para fazer a crónica. Pensava nisto, pensava naquilo – e nada de jeito me corria, nem ocorria, nem escorria. Nada. Até que eis senão quando me deparo com uma passagem de John Wain (1925-1994) no tal livrinho. Esta aqui:
“Creio que temos de ter coragem suficiente para caminhar para a frente passo a passo; e isso significa ter a coragem de dizer Não! aos nossos imbecis, por muita influência e importância que tenham”.
Fiquei com o meu problema resolvido. É que domingo que vem, dia 7, parece que estão à nossa espera em Bruxelas. À nossa espera, não. À espera que paguemos o bilhete de avião, o almoço, o jantar, a estadia e o subsídio a uma série de figuras iguaizinhas umas às outras que andam todas ao privado igualzinho da mama pública.
Pus-me a pensar no que lia e a vida iluminou-se-me: crónica já tenho, domingo já sei o que vou fazer – vou dizer que “Sim!” a este “Não!”. É que, não sendo já “young”, ando “angry” como o raio.
Isto é: pela primeira vez na minha vida, vou votar em branco. Nunca, até hoje, falhei um acto eleitoral. Nunca deixei de exercer civicamente o meu direito de voto. Também não vai ser desta que me abstenho. Preciso da democracia. E se a democracia é ir a votos, eu vou a votos. Não quero cá ditaduras, nem brandas nem duras. Vou votar. Mas levo comigo a receita do John Wain (não confundir com Wayne, o cowboy republicano dos filmes do zamericanos): coragem suficiente para, em branco, dizer “Não!” aos “nossos imbecis”.
2. Brancamente falando
Jornal de Alcochete – www.jornaldealcochete.com
Correio do Montijo – www.correiodomontijo.com
Em Abril de 1973, na cidade de Paris, escreveu António José Saraiva:
“O mundo das ideias feitas, em que assenta qualquer sociedade, é apenas um imenso banco de palavras a que atribuímos um valor de realidade. Elas não são apenas moedas de circulação, mas valor acumulado que representa o haver da sociedade inteira. Basta que esse crédito seja posto em causa para que a sociedade fique à beira da falência.”
O professor tratava, então, da questão do neo-realismo português como arte ou não-arte no contexto literário-cultural do salazarismo. Esqueçamos esse contexto, porém e por agora. O que me fez citar-vo-lo tem a ver com “algo completamente diferente”, como diziam os maravilhosos Monty Python: as eleições europeias de 7 de Junho.
Começo por vos dar a minha palavra de honra: nunca falhei um acto eleitoral. (Na verdade, os resultados práticos dos actos eleitorais é que me falharam a mim, sempre…) No próximo domingo, não conto falhar. Estou decidido a ir cumprir o meu dever cívico. Levo-me a mim nas pernas e ao cartão de eleitor no bolso da camisa, apresento-me na minha secção de voto, escondo-me atrás do biombo, regresso à urna (salvo seja) e está feito. Com esta singular diferença: desta vez, o meu voto vai ser mais imaculado do que nunca. Como assim? Assim: o boletim há-de regressar como veio. Isto é: em branco.
Faço parte da sociedade. Não perfilho já das ideias feitas que a sustentam. Pertenço a uma realidade desvalorizada, desacreditada e pré-falida. A minha palavra (o meu voto) será, pois, como aquela feérica menina dos sete anões: branca e fria de neve, por mais calor que cá fora arda.
Não me abstenho. Não risco indecências no boletim de voto. Branquejo, por assim dizer. Não vou pelas ideias (des)feitas e pretensamente “europeias” de nenhum dos candidatos de nenhum dos partidos. Não lhes atribuo valor. Não dou troco às tais “palavras-moedas” de que fala António José Saraiva. Por outras palavras: ando chateado.
Mas atenção: não é com a democracia que ando aborrecido. É com a democracia ser tão portuguesa e tão alegadamente “europeia”. É com esta malta sediciosa que vai a votos por causa do “tacho” dourado de Bruxelas. É com esta galopante pobreza nacional, este falsíssimo optimismo que nos mente terreiros-do-paço em becos-do-gato.
Não. Vou dizer(-lhes) que não. Vou dizer(-lhes) que não em branco. É a minha primeira vez. Suspeito de que não será a última, professor A. J. Saraiva.
2 comentários:
Abster-se ou votar branco/nulo é o maior engano: é o mesmo que votar Sócrates.
Eu cá, vou aproveitar e tomar banho que é domingo (que para pivete basta o nível das candidaturas) e no embalo vou usar o mais que puder a caneta e escrevinhar todas, TODAS, as cruzinhas a que os quadraditos derem azo!
Não vão os tipos de fato e gravata aproveitar-se da inocência da minha brancura... e como limpeza não em sido apanágio das suas politicas e posturas…
E este tipo de opções, se fossem globais, certamente surgiriam originais para colmatar a necessidade de higienização latente, não são, portanto, um voto num qualquer partido vermelhusco!
Ainda é vital, ao domingo, ir de gravata!!!
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