Op(era)ção
Tantos anos para optar pela cabeça,
que não pelo coração.
Até que enfim.
Ceptro e Bainha
- a Love Song (ou então d'Amour)
O teu amor é hoje a escada
que trepo até que a noite desça,
pelos mesmos degraus, com
passinhos de bailarina genital.
O corpo também é para isto,
não apenas para o colesterol
e as outras merdas que nos levam.
O teu amor é para levar comigo
a um pequeno-almoço de hotel,
um amor portanto opíparo
e uíquendiano.
O meu amor é diferente
por vir deste lado.
É decerto um amor,
mas olha.
O amor dos homens e das mulheres,
dos homens e dos homens,
das mulheres e das mulheres
não são um amor,
mas uma data deles.
O nosso é só um.
Tem caixa de correio.
O nosso
(o meu, pelo menos)
é mais negação
que afirmação.
Nego as pesadas borboletas
que os livros são.
Nego a minha infância
e o meu cão.
Só quero este amor
feito de refacções,
contra o pingo da torneira
que não sei reparar
e o pingo do chuveiro
em que não quero reparar.
Um homem é feito de casas-comboios
e de mulheres-apeadeiros.
As mulheres vendem bilhetes:
quartos, meios ou inteiros.
Ou tinteiros.
Quantos pais tivemos?
Quantas mães e quantos cães?
Quantos irmãos e irmães?
Chegamos hoje a qualquer lado
e tudo é paris no iorque.
Palhetam-se de grisalho
as trintonas maionésicas da imitação.
Por isso, não, o meu amor
é outra escalação.
O teu e o meu amores
coincidem por vezes no
banho e na maria,
no ponto dito do rebuçado,
entre contas da operadora telemobilista
e outros víveres que nem vêm
na lista.
Hoje a imbecilidade é uma pornografia legal.
Protejo-me dela com o meu teu amor.
Nem sempre consigo. Contigo sempre, porém.
Não é fácil explicar isto aos meus amigos.
O nosso amor lambe as próprias patas
sem pedir perdão aos manuais de etiqueta.
Não só isso lambe.
O amor é muito lindo para levar ao estrangeiro
para eles lá fora verem que nós por cá também como eles.
Um-dois-som-experiência.
É certo que viver mais é reduzir mais.
E mais.
Há gajas que não concordam nada com isto.
Os gajos querem lá saber.
O isolamento não é evitável.
Toca a Lua seus parques.
E seus cisnes de gesso.
Envelhecem as duquesas,
mirram como quadros, como míscaros,
dizem begónias,
tocam pautas de pó
para gatos incontinentes.
Vale que não és duquesa
mas minha princesa.
O nosso amor é uma monarquia sem dízimos.
Uma religião sem veludo, sem padres flatulentos.
É uma coisa com ceptro e bainha.
Décimas para Grandes Superfícies
Se te olha a mulher com dureza,
verificas a pedra no lugar da rosa.
Janelas queimam o jantar privado.
Sopas tossem olhos respiratórios.
As famílias (as mulheres) nutrem as noites.
Maravilhas começam por linguísticas.
Pequenos truques, ardis plásticos de hipermercado.
Atum quase sempre, quase nunca
uma caixa de gambas congeladas.
Nisto, a vida.
Acumulámos um amor tenso - e farinheiro.
Eu embranqueci mais do que era costume.
Experimentaste tu ciúme de 1000 e uma maneiras.
Resguardámos banha, gás e azedume.
Se eu pudesse, não agora mas antes,
teria dado a meu mesmo behaviourismo
tremor não menor que sismo
e temor do mesmo ensimesmemismo.
Para nome de morto bastaria
o próprio nome de baptismo.
Em nossas casas comungamos do feijão
a lata encarnada, farta, rotunda.
Privamos necessidades despejadas,
o odor partilhamos, de ter gentes.
Iguais a todos, de nós diferentes,
causamos sempre o velho efeito
que vem da causa de ter peito
e ter sonhado alheia coisa desigual.
Mas no fundo a nós desculpamos
culpando apenas Portugal.
A face do porco, só meio nariz.
Bacalhoa cara a mais salgada.
E uma sensação, que é boa e rara,
de no meio da vida voltar a petiz.
Ou então só os versos.
Então a demanda incessante só.
Sem metro, pureza só.
A pureza da ortolíngua, o saber
fazer o montinho de palavras
e noites.
Compramos salsichas, p'ra casa voltamos.
A cozinha estremece ao calor do fogão.
Quanto ao exaustor, nem sempre o ligamos.
São iscas, anchovas, ou sopa ou não.
Tiramos os sacos do carro parado.
Abrimos a lata (e a gata: obrigado!).
Tadita, bão sabe declinar particípio
nem votar de cor na cor-município.
Vamos e compramos e contas fazemos:
um mais uma são tudo quanto temos.
Era de Nós Antes
Na minha terra antiga está,
guardada ainda num cantinho,
uma coisa que certo não há
nem volta a haver, isso é certinho.
Era um sítio de rapazes,
canto oral de conhecer.
No falar estavam os mais audazes.
E os outros para aprender.
Duas caixas de madeira
de ananás dos Açores.
Nem hoje tenho maneira
daquilo ser tudo a cores.
Era o Beto e era o Mário
e era o Vítor e o Tonico.
Mais o Zé, o Tito e o Dário
e ainda o Coiso e o Chico.
Passou vez antes de mim
outra infância afinal?
Não começou então assim
comig' a infância em Portugal?
Era de nós antes igual
crescer, perder, sair da rua?
Vestir, fingir que não está nua
a vida toda afinal?
Que feito é dos meus meninos?
E que fiz eu p'ra me esquecer?
É dos caixotes, é dos destinos.
O ananás é p'ra vender.
Caramulo, tarde e noite de 13 de Março de 2007
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