31/03/2007

Bucoólicas

Chuva quente embebeda as aves,
fá-las depois o sol fumegar.
Riscam o céu, doidas, a cantar,
o que m’alegra e contenta, sabes?

Gosto de, manhã cedo, abrindo a janela
bolçar ao passado suas mesmas fezes.
Num só breve instante, semanas e meses
negrejam e sujam a luz amarela.

Depois a paz vazia lá vem de mansinho
(decerto devido aos neurotransmissores).
Penteiam-se as aves de pente-biquinho,
remelam-se os gatos, cruéis caçadores.

Tosse o coração a pólvora enxuta,
o estômago pede chá quente e torradas.
E há que ceder ao filho-da-puta
tiras de fiambre de fino cortadas.

Restaurado o ventre, lavados os dentes,
é sair ao sábado meteorológico.
Não poisar nas coisas olhar oncológico,
antes saudar os bichos e as gentes.

Alamed’acima, rasgando o bosquedo,
bosquejar o verso que fixe a matina.
Chegando ao café – Um café, menina! –,
fumar um cigarro sem pressa e sem medo.

Em torno, o ócio desdobra jornais.
Homens fumegantes parecem pardais,
esposas bricolam conversas banais.
Não posso do mundo querer muito mais.

É quase mei’dia, acaba a manhã.
O sol foi-se embora, já penso em sopa.
Na boca revolvo a pastilhortelã
e coço uma bolha através da roupa.

Deus ferve no céu em panela grande
a chuva que lança sobre a passarada.
É minh’alegria ’ma tal chilreada,
alegria que espero não passe e desande.

Acab’oje o mês, é abril que vem.
Amanhã é domingo, choverá ou não.
Antes d’ir p’ra casa, hei-de comprar pão
e um litro de chuva vou levar também.



Caramulo, manhã de 31 de Março de 2007

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