que a cuspo cola os segmentos – uns
aos outros – da existência: pois
que todos, e cada um, segmentos, são,
não mais que isso.
Verdade que a memória semelha continuar.
Ainda essa – e assim – não.
Uma só morte, de facto. Muitas vidas.
Na pousada lida, formiguinha, a criadita.
Diligente, rubicunda, gordinha, de crespa
natureza capilosa são suas axilas
rosquilhadas, como duas vaginas suplementares,
braçais que trabalham. Vigia o caldeirão da sopa,
a asma da máquina de lavar louça.
Nunca em si mesma cai.
Ou levanta.
Feliz.
E no degredo esponjoso da vegetal noite,
em seu coração de veredas e meandros,
estrelas e insectos intercambiam dimensões.
Estou atento.
Uma vez de cada vez, sou.
Outros (um por si cada)
semelhantemente adentram rajadas,
ventos, revoadas eléctricas.
Sofrem como pedras: em vagar
e duramente.
A ponto de uma pastelaria ser alegria.
Calçaram de pedra o chão das árvores.
Rodearam-lhes o pé de círculos de terra,
como no gelo os pescadores de azuis
inverosímeis peixes puros.
Revoa o folhedo do Grande Inverno:
despojos outonais que o frio acama
como a películas meninis.
Pisa a calçada a criadita feliz.
Bem aplanada condição é a de nossa
carne manual: serviço de ossos e unhas
na incessante necessidade de satisfação.
O que guia o taxista na noite senão
seu corpo tornado mecanismo?
O que seguia o taxista na noite senão
seu mesmo anacronismo?
Em salas pejadas de retratos
arrefecem velhas mulheres
como institutos fechados
no domingo perpétuo
de cada vez.
Fora de salas assim, sempre um cedro,
como um cão oblongo e crespo e áspero,
vigia o zunido do cabo telefónico,
a fervura das conversações
de cabo a cabo.
Outros caem ao rio no Inverno, vivendo nos telejornais
tão mais quão maior o tempo de
resgate de seus corpos recenseáveis já só
em salas de velhas que arrefecem.
Cuidamos dos jardins, que sempre enferrujam
a ponto de fazer de nós almas inglesas
esperando o sol na relva.
Tripulamos automóveis iguais entre si
como ovelhas, entre si idênticos
como diabéticos esperando o açúcar
do Outono nas alamedas terminais.
Dezasseis anos são mil – e mais
e menos que este cheiro de cozinha,
em cujo halo se move a criadita
atenta à liquefacção do tomate,
ao pranto da cebola, à vinificação da
carne em bocados iguais
aos segmentos de cada vida,
ao lume,
lá fora a memória (a fervura) do cedro.
Caramulo, noite de 15 de Fevereiro de 2007
1 comentário:
Bem bonito. Gostei. Beijinhos
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