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Leiria, manhã de10 de Maio de 2013, sexta-feira
É preciso ter passado,
como eu passei, por vilas desertas ao domingo.
É preciso não ter nada em
frente senão um salário.
Eu sabia que ia ficar para
sempre na Música.
Sabia também que não me
sustentaria dela mas para ela.
Suturava feridas
invisíveis nascidas da fome de saber.
Como no Verão de 1991.
No Verão de 1991 trabalhei
por conta de um homem que eu já era.
Perto, o regato mal
respirava,
saturado de sol como
estava.
Fazia as refeições num
reservado invisível também:
como se celebrasse uma
missa agnóstica
à impossibilidade de Deus
e ao minério do Corpo.
Derredor, na volta da
fonte, mulheres alheias cacarejavam
as notícias vilãs com essa
tão portuguesa fúria alegre
que resulta do comentário
da desgraça dos outros.
Habitava eu então um
quarto muito branco
de cuja janela se me
oferecia o mistério simples do dia,
que invariavelmente
pintava cegonhas e campos de arroz.
Quando a alguém da
Filarmónica morria um alguém seu,
fardava-me para integrar
as honras da Música
à pessoa perdida. No fim,
embebedávamo-nos sempre,
pois que é ponto assente a
libação vínica contra
o desmando escandaloso da
Morte.
E o jornal íntimo se me
manchava em furor sereno.
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Ib.
Não eram ainda as sete
quando a alva me levantou.
Saí do poço que imita a
morte, dei-me ao ofício de renascer.
Procurei no escuro o fato
para não despertar a Mulher.
Açucarei água na cozinha,
que bebi de pé não devagar.
Senti as escadas
desdobrarem para mim a rua.
E depois cumprimentei o
senhor Eduardo, que vinha com o neto.
Às tantas de ter 49 anos,
uma pessoa já sabe o prémio do dia.
Na mercearia do bairro,
caixas cantam alto a fruta.
De coxas gordas, varizmarmóreas,
a senhora Juliana beijarica o canário,
que é claro como o limão e
como o pão novo.
Nada me custa alcançar o
Rio, sabendo nas costas o nascimento.
O nascimento & a
morte.
Quando chego, estou de
partida.
Assim como toda a gente
toda a vida.
Exerço então o lápis qual
florete,
esgrimindo o puro minério
(a pura chispa) do Verbo.
Almoço a saturação da
Música, das casas encerradas
à passagem do rei morto.
Canto para dentro o meu
Sá, o meu Garção.
Finjo que não componho
qualquer canção.
Ponho-me a arabescar as
árvores maiores
enquanto desfloro rosinhas
de, digamos, torrão-de-Alicante.
Então, a glória banha-me
todo, torna-me lustral
como uma tocha de gelo,
como um homem para o fogo.
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