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Ib.
Deixo o eu-corpo ir dar
sem mim uma volta.
Dou-lhe o arroz que trouxe
para efeito de pombas.
Em troca, ele deixa-me
como de facto sou: em sombra.
Quando penso nos meus
Amados Mortos, é o mesmo.
Tenho dinheiro para um par
de cálices, meia-dúzia
de cigarros acalentam o
bolso esquerdo do gibão.
Ao telemóvel, uma mulher
louca queixa-se de quanto
engordou a uma remota
outra Heloísa chamada.
Passa-se esta eternidade
degradada no Café Colonial,
a que muitas vezes aplico
tributariamente o nome de
Café da Rosa,
que hoje me (a)parece um
seu tanto nervosa.
E quando as crianças sobem
no ar como balões,
a gente madura sente a dor
morna do ter-sido
às cores atmosféricas que
o deslumbramento do Estio
volve estrelas capturadas
em espelho nos fontenários.
E quando o senhor Carlos
toma o seu chá & a sua torrada,
o que Leiria merenda é o
pousio mais restaurador.
Por isso, podes imaginar
em uma espécie de falida Detroit
inçada de motor-fantasmas,
riscado o chão de poemas
a óleo. Quando o corpo me
voltar, se voltar,
darei com ele a ronda do
reconhecimento da luz,
que a 10 de Maio de 2013
tornou em glória franca.
E o Diabo dispara até com uma tranca.
29
Ib.
O Diabo até com uma tranca dispara –
assim nos disse o Alferes
Sardinha
em Mafra, Escola Prática
de Infantaria,
acabava-se o Inverno de
1987/88.
Éramos homenzinhos verdes
na parada,
marcianozitos do Serviço
Militar Obrigatório.
O Abreu diz que vai deixar
de fumar,
eu não fui ainda à Ereira,
a Sesimbra sim.
A Trompa-de-Eustáquio
silva o aquário cerebral.
Nada é tão lamentável
quanto o viúvo entesoado.
Aqui na Colonial Rosa
aparecem muitos,
com a agravante de as
esposas serem ’inda vivas.
Leonor, ó minha gardénia
clara,
volveste forte a minha
vida e rara.
Teresa, jasminzito
delicado,
volveste sorte a minha
vinda e rara.
Não se pode errar tudo.
Esperar não é remédio.
A 8 de Março de 1988,
adentrei o Convento de Mafra.
Nas arrecadações dele vive
a tropa.
Aprendi a traçar o azimute
& a disparar a tranca.
Cometi a melhor marca nos
80 metros: 9,4 segundos.
Disseram-me que só o Nené
do Benfica tinha feito melhor.
Contei isso ao meu Pai,
que viu logo que eu era para ser poeta.
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