Alegoria apícola
Nada perdura que humano seja.
Brilhantes terão sido as empenas das hoje áridas Pirâmides
do Egipto. Da imortalidade a que se propuseram, areia ficou só, que permanecer
não há-de.
Tirante esta melancolia, permiti-me Vós que Vos narre
certa teimosa perduração de que o muito outonecer da vida me faz presença, gala
e abespinhada teimosia. Foi quando o Carlos “Minhoca” da Fonseca gozou sem
ofensa o bom Augusto Abreu.
Passou-se isto num Inverno benévolo de há coisa de vinte e
picos anos. O Augusto tinha ajudado o filho a apossa-trespassar-se de um
café-restaurante dedicado a refeições operário-diárias. A malta frequentava
aquilo à noite, extintas do expediente as obrigações horárias. Tinha outra
coisa, o Augusto Abreu: era homem de virtudes d’antigamente, daquelas virtudes
que sabem o valor da horta, a beneficência da árvore de fruto, o tesourinho do
porco d’engorda, o quanto para comprar uma lareira conta o salmourar da
sardinha em caixa de sal com fundo de feto roubado ao pinhal. Era um homem que
se interessava, pronto.
E, pronto, o Carlos “Minhoca” da Fonseca não quis outra
vítima que Augusto, agravado de Abreu, se não chamasse, nesse Inverno que nem
eu nem Vós reviveremos.
Disse assim o “Minhoca”, como quem não quer a coisa:
– Palavra de honra que
achei estranho a mulher só me ter pedido 500 paus por um pote de dois litros de
mel do purinho.
Eu nada disse: porque sei bem mais de minhocas do que de
apiculturas. Mas o Augusto Abreu (bom homem, pai de seu casalinho, maridinho de
sua esposa varizenta & cultor indefectível de seu quintalinho sem ferrugem
nem caracol fumigado) caiu que nem um estorninho em visco armadilhado com anzol
de silveira:
– Ó senhor Carlos, o
senhor desculpe mas isso interessa-me muito. Eu fico com dez potes, se o senhor
me der o número de telefone da senhora.
E o sacana do “Minhoca” assim:
– Dou-lho com todo o
gosto, senhor Augusto, mas vai ter de esperar dois anos pela encomenda.
E o pobre Augusto assim para ele:
– Dois anos?! Então
porquê?
E o mau: – Pois,
dois anos porque a senhora de momento está a trabalhar só com uma abelha.
Ora, isto do trabalhar da solitária zunidora e da ilusão
da eternidade tem tudo a ver com o mesmo, digo (ou bebo) eu.
E de potes, notas de 500 à Alves dos Reis, minhocas,
abelhas e coelhos percebo eu.
E também muito de pirâmides, que mortas estão mas
continuam a apontar para o céu como os imbecis que ainda se admiram de ver
passar aviões que de Bruxelas, ou de Berlim, nada mais trazem que perdure senão
a inelutabilidade da morte e a porquita miséria a meio conto de réis o pote.
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