15/05/2013

BAILE SOZINHO ou O INVERNO DE QUELUZ - 13 a 15


13

Leiria, manhã de 9 de Maio de 2013, quinta-feira


Como se deveras tivesse sido músico,
porto em corpo a moléstia da atenção.
Cultivo no rio mesmo a serradura sideral:
se ele espelha das miríades a miopia estelar.
Vale-me o, tendo que dizer, não mandar
dizer por ninguém.  Por algo cresço ’inda.

Quebrei já muitos vidros na imaginação.
Teima em mim o infante de outro início.
E em partitura para harpa a velha chuva.
Adormeci ontem no sofá enquanto os Marx Brothers
iam ao circo emaranhar ingénuos  enredos.
A alegada Civilização precisa de Irmãos.

Volto ainda a aldeias apenas entressonhadas.
O avô e o neto extraem água ferrosa do poço.
O cão é o mesmo de quando Teixeira de Pascoaes.
E o frágil japão da geada matinal, a mesma
de quando o bondoso Wenceslau de Moraes.
Sim, estas coisas podem ser.

De limitada edição é o amor lácteo.
Começa-se pela Mãe, chega-se à Mulher final.
Panifico-me todo em óbolo de pombas,
columbina é minha ronda pela Cidade.
E duas rolas são as filhas que pude,
no gás das esferas, na noite aldeã.

14

Ib.


Quando talvez músico outror’ um dia,
mais do que saber o que fazia, eu vivia.
Ainda assim me é o expediente respiratório
na consumpção do quase semisséculo pessoal.
O meu Cunhado José Maria faz hoje, 9, anos.
Foi com a minha Irmã ao Lidl de Eiras,

apanhei-os por telefone tomando café, uma
na companhia de outro, é bonito saber tal.
O resto da manhã, vou ardê-lo na composição
destas canções, ofício que desempenho com mais
pertinácia do que talento, eu sei, mas outro
remédio me não sobra que o da contumácia

mais relapsa. Saindo daqui da Rita, vou ao
Lagoa, aproveito para atirar ao Lis o olhar
ambulatório de músicozito provincial,
sendo meu natural um coração manual.
Se alguma vez de novo em seio de floresta,
refarei de cada passada uma festa,

pois que tudo a passado passa.
O oficial dos Correios, ao lado, vozeia
caladamente as missivas por frinchas
de alumínio à face dos prédios.
Já o vi com a mulher às compras no
hipermercado da Gândara, comprou sardinhas de lata.

15
Ib.


Supina amabilidade, gentileza a mais grácil,
tudo me conforma a mulher que tenho e de quem
sou na espiral das horas que dias e anos
engessam sem remédio mas a azul-marinho.
Quebram-se-me os dentes de não lascivo desejo
quando a bom-dio, a desperto e a beijo.

De pantanas, ex-relicários, que mover me fizeram,
me não comovem já, fruto que mordi mas não
lamento, não mais & já não, podeis crer.
Procedo em paulatino crescimento, vergando as horas
como se dobrasse duros ferros em fundação de casas,
sim, trabalhei já de adjunto de mação.

Ao fervor das tripas me marulha a humanidade,
o dia chegará em que de vez se me prateiem os gestos,
um pratito de massa com carne me sustenta
enquanto vejo aquela série-reality-show dos polícias
detendo traficantes e afins gafanhotos da heroína,
lá fora o dia não abre o jogo do sol.

Ali em São Romão, uma mulher atropelou de carro
uma criança e fugiu do local, a criança morreu,
ela já foi detida, a vida não é uma festa porque
a gente abandona o local dela, imagino o que por São Romão,
Leiria, vai, ou não, nem imaginar quero,
ele há músicas que se não dança, só se chora.

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Canzoada Assaltante