6
Ib.
De
anémonas um rosário eu possa,
ora
que ’inda é hora de escre’viver.
Um
cântico é um ladrar solitário,
quantos
palcos de associações recreativas
venci
na penumbra de anos esboroados,
tangos,
valsas, fandangos & fados.
Operática
nudez me convoco sem pranto,
nas
salas-de-espera dos apeadeiros concebi
a
inconcebível solidão moral do músico,
já
então me adornava de cadernos impublicáveis,
lia
com minúcia os mapas-horários,
meu
era o fervor da ópera, da tragicomédia.
Coimbra,
sim, mas Peniche, mas Aveiro,
mas
o Caramulo com seus fantasmas hécticos,
Viseu
com seu brasiledo de putas,
a
por vezes inumana (inumada) Lisboa,
pensões
de cinco tostões cuja humidade
fervia
peixes frigidíssimos de agora-que-me-será-?,
fecho
os olhos, canto (tom e meio sobre a linha melódica)
a
Montanha, a Lua Fanal da Montanha,
canto
a Grande Rapariga de Prata no Tempo,
canto
a poliglotia dos animais mais mudos,
só
não canto o quanto uma pontada de desespero
pode
furar coração adentro um desejo simples.
7
Ib.
Quem ainda trabalha no meu
ex-negócio é
o José Cid, coitado.
Compreendo-o bem,
é afinal um português que
gosta de cavalos
e de falar de D.
Sebastião, o cachopo realengo
que se foi fazer ferrar a
África. Falei
uma vez com ele – o Zé
Cid, não o Sebastiãozito.
Fora & tirante o Cid,
não mantenho grandes ícones.
Talvez o Conjunto Maria
Albertina.
A Hermínia Silva. O Max da
Madeira.
Um pouco de Händel,
concedo.
Uns pós de Vivaldi na
sensibilidade, vá lá.
E Paulo Frederico Simão do
Bairro das Rainhas, NYC.
Tudo quase quanto hoje
sei, é onde há pombos,
pombos e laranjeiras e
cabeleireiras sós
como peúgas desirmanadas
em marquises,
troco às vezes a
serenidade por uma botelha,
uma botelha daquele bagaço
que sabe a evangelho
todo cagado dos pombos.
Verdade é, também e porém,
que isto tudo deriva
da habit(u)ação: às marés
terrenas sufragadas
pelo vento de música dos
bailes da mocidade,
quando eu era para não ter
sido, não ’inda,
uma calota polar do que se
junta, janta &,
irrefragável, se dispersa
– cinzas quase tudo.
8
Ib.
Delego na memória fabril o
febril produto,
que operário sou da
articulação dita,
que não falada, da
indústria poética.
No Largo do Cónego Maia,
Leiria, anos-ora-depois,
Inscrevo a sombra confessa
do meu Inverno,
o meu portátil Inverno de
rapaz português.
Sou, em verdade mo repito
& crocito, um órfão.
Tenho uma experiência
venatória, pelo lado
do gamo. D. Fuas Roupinho
não m’ enjeitaria.
E do meu tempo de infante
pedonagem
reservo a pedraria viva de
gafanhotos, sardaniscas,
ouriços, raparigas
lácteas, primeiro desejo
de ver o universo em
verso.
Evoco às vezes um vocativo
que não há,
como se em palco de
associação recreativa
me dirigisse em rogo a um
público
de namorados zundapp-motorizados
e costureirinhas
perfumadas de bolacha.
Quan/d/to assim escrevo,
deponho. Não é o mesmo
que enlouquecer – não
ainda, minha linda.
Eu sou do Verão de 78, da
Primavera de 74.
Mas também do Mondego, que
o Pavia e o Lis
me repetem em aquífero
eco.
Não me quero par de
qualquer badameco.
9
Ib.
Cantei uma vez a solo,
andava adoentado o cantor.
Desempenhei-me na função
como canário tristímano.
Uma mulher dentre a
assistência quis saber mais.
Não havia telemóveis na
altura.
Quando me apareceu com um
copo de Dimples sem gelo,
Agradeci-lhe, primeiro,
questionando-a depois
se era mordoma de alguma
festividade religio-fogueteira,
dessas de aldeia que
Agostam a portugalidade,
disse-me que não, que
gostara de me ouvir cantar,
que se eu compunha,
disse-lhe eu que ainda
não,
que só em Maio de 2013
me atreveria a compor um
Baile mas Sozinho,
redarguiu-me ela, em
aquiescência, que sim,
que compreendia, que às
vezes se sentia sozinha
entre tanta pomba e tanta
laranja,
& que sentido é haver
por aí tanta ourivesaria
e tanto cantor e tão
sozinho dela ser o dia.
Isto não é verdade. Nunca
aconteceu. É só um livro-só.
É apenas como se eu
tivesse integrado o Trio Odemira.
E só o Bailinho-da-Madeira
em quádruplas sucessões
de sextilhas em estilhas
verbais.
É só um ter-nascido-e-já-sido.
É não saber mais.
10
Ib.
As linhas cantadas atiram
lírios aos pés descalços
que a alma usa quando a
desnuda a música.
Senti vivamente isso em
certos desempenhos bailadores,
quando o conjunto menos
era movido pelo dinheiro
do que pela urgência de
partilhar a chaga-viva
da rima tónica, em
C-cortado, tipo slow.
Outra coisa são as linhas
contadas.
Essas que em família
soliloquamos nos invernos.
Essas que nodulam
(ondulam) a garganta à saída de casa
para a vida definitiva,
essa morte da canção,
vê se me percebes, vê
pelo menos se me ouves.
Recordo entre bailes
(entre livros, sobretudo)
certo hepático cavalheiro
cuja amarelidão traía
muito granel de aguardente
e muito hectare de tabaco
acre.
Era Serafim:
a mulher traía-o.
O bairro via-o (e,
casquinho, escarnecia-o).
Não nascera amarelo. Foi
fugazmente, por bebé, até belo.
Gostava da música que a
gente fazia,
mas no fundo só queria tão-só companhia.
mas no fundo só queria tão-só companhia.
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