16
Leiria, tarde de 9 de Maio de 2013, quinta-feira
É com férrea disciplina
que cometo afinal a minha vida.
Colonizei todos os lugares
que respirei em presença.
Cedo pouco importância até
ao alude dos anos.
No fundo, não tenho medo,
facto que me apazigua.
O problema, a havê-lo,
estaria na urgência inelutável
de tudo escrever sem o
luxo do repouso.
Postulo, por tudo isto,
uma verdade pessoal e ínclita
quase. Faço-me livros de
que hei veloz necessidade.
Eles acabam adentrando-me
a fala, a vida social,
os nervos da flora, a
ubiquidade dos animais,
a ventania que desde
menino me euforiza aos gritos,
me iça aos ares frios
atordoados de azul.
Não posso ser igual a mais
nada, a começar pelo espelho.
Quando bebo uma cerveja em
atento silêncio, sidero
a solidão gástrica e dela
a vocação de entranha
labiríntica, ao fervor da
sede que a aridez da esperança
implica e imbúi. Encastoo
os meus ferros em oral
veludo, o que é muito para
um pobre e nada para o moribundo.
Os núcleos efervescentes
da minha vida têm amor dentro.
Sou um pássaro de calças
sobre areias e mirtos
(e mortos também, sempre
& para sempre), querida.
Vejo que toda a criança
reitera a eternidade caduca.
Vejo o cão que dança de
lobo dentro vigiando.
E com férreo disciplinado
amor atiro pedras à água da fala.
17
Ib.
Gosto de coisas como a que
ora mesmo aconteceu:
um velhote de boina que
antes de se sentar
boatardou todos os
circunstantes (um homem/uma mesa)
no Café da Rosa. Sim, sou
de gostos simples,
como o de gostar de
bons-dias, boas-tardes, boas-noites
dadas e recebidas por e de
pessoas não conhecidas.
Em este Maio me pergunto
quantos Dezembros serei ainda.
E se será em casa que de
vez adormecerei.
A minha casa – esse país
por onde traficam os meus
Amados Mortos o amor mais
estupefaciente em
açúcar cristalizado e
violáceo, violento às vezes.
(Sim, estou hoje capaz de
verdades.)
Não percebo o aquário como
não aceito a gaiola.
Mas em casota caninamente
me encerro, pulguento
de tanta poesia ao mundo
desnecessária mas a mim
crucial, em Língua
Portuguesa de Portugal. E tal.
Sou bonito quando atiro
diamantes às pombas, embora
pão seja só, de rosas
esmigalhado-diamantinas perfumado.
Sim – e viva o fado.
Quando músico de baile, certa noite,
adentrei o bufete no
intervalo para rifas em quermesse
pró-pobrezinhos da aldeia.
Lá fora, chovia gelo quebrado.
Pedi uma cerveja, que o
director em função barista
me serviu com rodela
graciosa de tremoços gordos
curados em serapilheira no
ribeiro. E eu dei-lhe as boas-noites.
18
Ib.
O Inverno de Queluz sempre
me acinzentou a imaginação.
Aquelas pessoas, sabes, a
fazer de canários nos andares-gaiolas.
Que luz Queluz não pode
ter, dada a taxa de divórcios,
óbitos do amor contratual
com que os católicos não-
-praticantes enganam a
Deus? Adeus, adeus, não
quero morar jamais em
Queluz, nem no Monte Abraão,
que Rui de Moura Belo
circum-escreveu como ninguém.
A minha Mãe tinha uma
prima velha chamada Clementina
e muito sozinha que morava
em Queluz. Nos Julhos de
primórdios de 70/XX
aparecia-nos na praia da Figueira da Foz,
a minha Velhota e ela
conversavam eternitardes
enquanto eu absorvia as
cores mais salgadas da felicidade.
Às vezes falo de coisas assim
à minha Graça,
ela não acha estranho que
eu continue ao pé da Bola-Nívea,
por isso nos casámos. O
meu Pai vinha de comboio
aos sábados, não sei por
que terá deixado de fazê-lo,
talvez porque não dêem aos
mortos dinheiro que chegue
para o comboio, que naquele
tempo eram de cartão
p(r)ensado, os bilhetes da
ferrovia. Às vezes a minha vida é
Queluz, outras em que luz.
Isto depende dos sais,
que são mancúspias
grão-cristalinas como as enzimas
mas um bocadinho menos.
No Verão, o Mar exulta.
E os Campos aureolam-se de
ricos fenos.
19
Ib.
É uma espécie de transe.
Uma combustão, um
quase-grito.
É um amaciar de coxas.
É como ser flibusteiro.
É lapijar a cores o mapa
das laranjeiras.
E é não ter hipóteses.
Respondi exacta-sic-mente
assim à pessoa
que no Largo das Forças
Armadas, Leiria,
me perguntou em que
trabalha o mundo
e que sentido pode haver
em que ele trabalhe
e para quê tanta pomba
tanta criança
tanta às vezes aflição.
Vi depois um homem todo
vestido de roxo.
Talvez fosse o vinho: o
meu como o dele.
Sim, pode ser aflitiva a
consciência verbal.
É quanto tenho.
Se poderia ter mais?
Não o quereria.
Depois, o carro da polícia
passou em frente à Rodoviária.
Um notário filatelista
pediu chá de tília.
Pensei nos telefonemas que
de quando em vez faço à família.
Sementes agrícolas e ceras
apícolas e agonia viária.
Página em frente, trabalha
muito, sê gente.
Não escreviver, morrer
seria, seria ser igual só, nunca dif’rente.
20
Ib.
Um rapaz representante de
vasilhames
teve à nossa frente sua
quebra-de-tensão,
demos-lhe todos água
açucarada
e face-palmadinhas de
cristão carinho,
o moço rearribou, é de calvície precoce,
pele tipo
cor-de-sobrinho-filho-de-padre.
Depois, a Celeste, que usa
e abusa daquela blusa
que lhe acarna o seio
adiposo de amamentadora
profissional, quis saber
qualquer coisa que não ouvi,
não me sendo portal,
perdão, por tal
possível poetar seja o que
for
com Celeste sextilh’
adentro.
Três-euros-e-meio são
setecentos-paus dos antigos.
Há já quem
consumo-minimize isso a senhoras
nos bailes-das-velhas que
são
a mais admirável
circunscrição
desta como de muita
re(li)-
gião.
Aguardo activamente o
Poema que me resgate,
qualquer coisa tipo
Os-Lusíadas-como-os-diz-Molero.
Ainda não será hoje.
Pego nas manchas de
tipografia.
(Não há dia em que te não deseje bom-dia.)
(Não há dia em que te não deseje bom-dia.)
Sem comentários:
Enviar um comentário