Águas, pontes e ladeiras
Ao quarto dos ainda poucos dias do novel ano,
parece ter-se demitido de administradora-executiva da Águas de Santarém a
senhora que dá ao mundo por nome Marina Ladeiras. À data em que escrevo (terça, 8), não sei mais grande coisa. (Minto: sei, mas sou só cronista, pelo que as
minhas pizzas, por e para exemplo, pago-as eu de meu bolso.) Desconheço, por
exemplo, a posição oficial do multipresidente Ricardo Gonçalves, que ao que sei
até anda de carro próprio as mais das vezes. Mas conheço em mim uma suspeita.
Esta aqui: a de que Marina nunca deve ter lido Gaibéus, fundamental, documental e monumental obra do também
monumental Alves Redol. Não deve. Eu acho que ela, Marina, deverá muito coisa,
mas que tal não deve.
Se o houvera feito, teria talvez (ou não)
reconhecido na gesta humílima dos trabalhadores de todo o País (que acorriam ao
Ribatejo, a pé e sem os quase 800 euros de representação, a dar braços às
safras sazonais das planas lezírias de tantas águas ainda não municipalizadas)
um exemplo absolutamente maior, desses que é impossível não ter em conta,
primeiro, e não seguir, depois, até porque mísera criação não é vergonha;
vergonha é, podendo, não mostrar boa criação.
Por outras palavras: Marina, investida de tão
graves e de tão honrosas responsabilidades públicas, houvera de sentir-se
gaibéu também ela: se não pedestremente Cascais-Santarém, ao menos
trabalhadora, por conta própria embora, da coisa que é pública. E em carro
dela, cujo não uso acabou sendo, afinal, jeitoso motivo para “desmoitar”,
também por ela, e em boa hora, o executivo das coisas scalabitanas.
O gaibéu verdadeiro pode ser cascalense e não ter
de vir a pé. Mas. (As conjunções adversativas são o diabo: “mas” implica, por
triste contraste, uma “moral”, coisa de que não acuso a dita senhora). Mas,
portanto, isto de usar, ao contrário de um Ricardo Gonçalves, um carro que não
é próprio para uma viagem que é para os outros, nisso queimando combustível de
alheia factura e nisso via-verdejando portagens que nenhum gaibéu tem deveras
de pagar, é marinar ladeiras só a descer, que o desmando a nada sobe senão à
dívida. (E nisto de dívida, de tostão a milhão deu Moita sobeja lição.)
Será isto, talvez, mesquinha e comezinha inveja
minha. Será que não há-de ser: acho historietas destas um abuso, cujo uso me
leva à fundamentada suspeita de que o melhor desta anunciada demissão
corresponde, ao fundo como à(s) flor(es), ao, por assim dizer, “desmoitar” a
que se propõe o supradito Ricardo Gonçalves.
A Coreia do Sul parece mal em qualquer regimento de
maçaricos que não tem de ir combater à Ásia um Afonso de Albuquerque que já não
há. Levar o marido sim ou não é coisa de felicidade conjugal em que me não
meto, até por acreditar que o cônjuge se desembolsou a si mesmo a chatice do
bilhete. A questão continua, porém, gaibéu.
Servir o público não é usar
calça-preta-camisa-branca como quando os criados de mesa não eram ainda
empregados da mesma. É um trabalho como outro qualquer, excepto no não ser
privado. Privada, em verdade mo repito, é a evacuação corporal das misérias da
digestão. Público é o simples ter nascido: ao curso de ladeiras ou atrás de
moitas. Indiferente isso é, que a morte a tudo equaliza.
Alves Redol continua porém, embora, vivo da silva
não cavaca. Escreveu e inscreveu gente que, demandando trabalho, o encontrava,
o praticava e o merecia.
Na Coreia do Sul como nas lezírias, cujas águas, de
todos sendo e para todos nascendo, em forma e firma de do Ribatejo deveriam
ser, não da afinal irresponsabilidade de uma mão mal cheia de boys e girls que nem nunca leram Redol nem sabem a quantas águas vão as
pontes que, por direitas, nunca de ladeiras foram feitas.
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