11/01/2013

Rosário Breve n.º 291 - in O RIBATEJO de 10 de Janeiro de 2013 - wwww.oribatejo.pt



Águas, pontes e ladeiras  

Ao quarto dos ainda poucos dias do novel ano, parece ter-se demitido de administradora-executiva da Águas de Santarém a senhora que dá ao mundo por nome Marina Ladeiras. À data em que escrevo (terça, 8), não sei mais grande coisa. (Minto: sei, mas sou só cronista, pelo que as minhas pizzas, por e para exemplo, pago-as eu de meu bolso.) Desconheço, por exemplo, a posição oficial do multipresidente Ricardo Gonçalves, que ao que sei até anda de carro próprio as mais das vezes. Mas conheço em mim uma suspeita. Esta aqui: a de que Marina nunca deve ter lido Gaibéus, fundamental, documental e monumental obra do também monumental Alves Redol. Não deve. Eu acho que ela, Marina, deverá muito coisa, mas que tal não deve.
Se o houvera feito, teria talvez (ou não) reconhecido na gesta humílima dos trabalhadores de todo o País (que acorriam ao Ribatejo, a pé e sem os quase 800 euros de representação, a dar braços às safras sazonais das planas lezírias de tantas águas ainda não municipalizadas) um exemplo absolutamente maior, desses que é impossível não ter em conta, primeiro, e não seguir, depois, até porque mísera criação não é vergonha; vergonha é, podendo, não mostrar boa criação.
Por outras palavras: Marina, investida de tão graves e de tão honrosas responsabilidades públicas, houvera de sentir-se gaibéu também ela: se não pedestremente Cascais-Santarém, ao menos trabalhadora, por conta própria embora, da coisa que é pública. E em carro dela, cujo não uso acabou sendo, afinal, jeitoso motivo para “desmoitar”, também por ela, e em boa hora, o executivo das coisas scalabitanas.
O gaibéu verdadeiro pode ser cascalense e não ter de vir a pé. Mas. (As conjunções adversativas são o diabo: “mas” implica, por triste contraste, uma “moral”, coisa de que não acuso a dita senhora). Mas, portanto, isto de usar, ao contrário de um Ricardo Gonçalves, um carro que não é próprio para uma viagem que é para os outros, nisso queimando combustível de alheia factura e nisso via-verdejando portagens que nenhum gaibéu tem deveras de pagar, é marinar ladeiras só a descer, que o desmando a nada sobe senão à dívida. (E nisto de dívida, de tostão a milhão deu Moita sobeja lição.)
Será isto, talvez, mesquinha e comezinha inveja minha. Será que não há-de ser: acho historietas destas um abuso, cujo uso me leva à fundamentada suspeita de que o melhor desta anunciada demissão corresponde, ao fundo como à(s) flor(es), ao, por assim dizer, “desmoitar” a que se propõe o supradito Ricardo Gonçalves.
A Coreia do Sul parece mal em qualquer regimento de maçaricos que não tem de ir combater à Ásia um Afonso de Albuquerque que já não há. Levar o marido sim ou não é coisa de felicidade conjugal em que me não meto, até por acreditar que o cônjuge se desembolsou a si mesmo a chatice do bilhete. A questão continua, porém, gaibéu.
Servir o público não é usar calça-preta-camisa-branca como quando os criados de mesa não eram ainda empregados da mesma. É um trabalho como outro qualquer, excepto no não ser privado. Privada, em verdade mo repito, é a evacuação corporal das misérias da digestão. Público é o simples ter nascido: ao curso de ladeiras ou atrás de moitas. Indiferente isso é, que a morte a tudo equaliza.
Alves Redol continua porém, embora, vivo da silva não cavaca. Escreveu e inscreveu gente que, demandando trabalho, o encontrava, o praticava e o merecia.
Na Coreia do Sul como nas lezírias, cujas águas, de todos sendo e para todos nascendo, em forma e firma de do Ribatejo deveriam ser, não da afinal irresponsabilidade de uma mão mal cheia de boys e girls que nem nunca leram Redol nem sabem a quantas águas vão as pontes que, por direitas, nunca de ladeiras foram feitas.

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Canzoada Assaltante