TRÊS SONETOS VIVOS
E UM PÓSTUMO
Leiria, manhã de domingo, 14 de Outubro de
2012
I
Jaspe e hulha e ouro e lama e trabalhos
em do mundo a cercania se conjugam,
jogando preciosos ’té à morte sem atalhos
seus jogos onerosos que à sorte subjugam.
Retalha o esterco as nucas não lavadas
do capcioso povo sujo e peregrino.
Ele é do mundo muito o desatino,
muito e atroz e lerdo. As mãos atadas,
não quer, parece, o nefando populaço
mais que a benta côdea, menos que o rijo
bagaço.
Trabalha o ouro, que em lama se lhe paga.
Hulha e jaspe, não: sim unha e chispe,
Alcides e Conceição ao veste-e-despe,
Eva triste e triste Adão que o Tempo apaga.
II
(Eça itálico: todas as palavras são dele, à
colagem minha:)
O
viço, o tenro brilho, o rumor germinante
da
graça poética e da verdade humana
que,
abandonadas a corujas e fantasmas,
às
estamenhas da penitência sucediam.
A
vida inteira, e até a morte, era uma festa.
Como
as ondinas ensinam formas da graça,
batendo
vai ligeiro o voo a fantasia.
A
cada instante o homem adquire, largo,
o dom
divino do riso, antigo sorriso
tão
celebrado, lânguido e húmido.
Poetas
que parecem mortos ou de ferro,
deixando
as faces mudas e frias: inerte,
sua
face é triste, material, íngreme.
Singela
alegria: como o Sol faz às flores.
III
A pergaminhas filactérias procedendo vou
través a manhã cantora de prata ao sossego.
Febre muscular me guia da mão o osso,
(a que, dextra, escreve, que a sinistra
fuma).
Incha de boa seiva a ortónima terra,
que a meu País dá nome doce e conforme.
À pastelaria acorrem as burguesas lesmas
que votam Cavaco e mil-folhas: e depois?
Depois é o cursivo soneto quase feito,
de lado olhado o flanco do domingo.
Calor nenhum e um quase-frio
velam à vez a natura parda em voragem.
Ínclita, íngreme, sobalça-se, solerte,
a certa morte, Pergaminho meu e nosso.
IV
As minhas ovelhas são todas de papel e
tinta.
Faço de cão que as guarda e dá ao pasto
do Tempo, que a toda a tinta enxuga,
a todo o papel rasga – e sem balir ou
valer.
Os meus cães são todos sonetos mal
acabados.
Faço de ovelha que os teme por responso
ao remanso sem nome dos dias nomeados
que ao cautério do Tempo secam calcinados.
Pastor que deveras devera escrever a cajado
sua serra
me sinto e vou sendo, a lápis latindo.
Vim ao pão, fiquei um pouco, meio-dia é
quase,
a casa chegando ao calombo cincharei
devagar.
Cozo umas batatas e um peixe amanho,
que na sala comerei
pensando-me rebanho.
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