A minha Leonor tirou a carta de condução
A primeira das minhas duas filhas chama-se Leonor.
Dezembro passado, não sei como, fez 18 anos. Permiti-me vós que vos perore um pouco a propósito dela. Trata-se de uma rosa duplicada: porque é ela e porque tem 18 anos.
É de olhos peliculados a rebordo de cristal, em que a natureza do castanho desdobra a avelã torrada à força vingativa do mel. Afogueia-lhe a face uma espécie de pureza ígnea em que me nada custa descobrir o rubi e a saúde. Boca lindíssima de morango bífido. E dentes a que assoma a perla camoniana dos iniciados. Mãos terríveis de, como a mãe, clarinetista: máquinas de desdobrar seda. Pèzitos que conjugam um sol muito branco e uma neve de oiro, caramba! Peititos perfeitos: metades de limão tocadas pela seiva da mocidade. Um cabelo franco como uma declaração de princípios humanos. Os senhores estão a ver, não é verdade?
Bem, o problema é que terça-feira passada, dia 7, essa descalça formosura me acordou pelo telefone. Estava feliz, o que me desestremunhou de imediato. Acabara de tirar a carta de condução. Depois da mãe, fui o seguinte a saber. A carta de condução de automóvel!, gemi e pontoexclamei eu, de coração a ganir de cianeto puro.
E ela: – Eh eh!
E eu: – Ai ai!
A minha menina é, portanto, encartada. Sábado que vem, já vai ser de carro que ela vai dar aulas de música à Filarmónica das Cortes. O que vos peço, senhores, é tão-só isto: se fordes de carro, parai. Parai e garanti-me a passagem em total integridade e segurança da rosa que os meus anos vêem e garantem como duplicada.
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