17. VII ROMANOS E 10 ÁRABES
Leiria, sexta-feira, 19 de Agosto de 2011
I. 10 FICHAS DELA
Ela louva no íntimo só dela a mocidade de cada dia, despertando cedo as aves para os trabalhos voláteis que, segundo ela, Ele lhes consignou.
Não longe da casa, a ponte urde a passagem sobre e través a tessitura da veia fluvial que, a céu aberto, encerra a terra de refrígido húmus recriador.
Ela foi feita e refez-se em esta mesma casa, a qual, idos em paz os pais, lhe resta de recolhimento com horta e árvores de fruto.
Dentro em armário-arquivador de metal pintado a verde, ela conserva fichas cujas notações sumárias ela nem espera venham, no dela pós-passamento, a ser a soma viática de quem tiver ela sido enquanto foi.
Algumas de tais fichas podem aqui ser representadas, do que faço assento:
1
Aves sempre moças
em voláteis trabalhos,
Senhor.
2
Pais em paz, pais em país-paz.
3
A lacrimogénea cebola, na horta.
A ourives laranjeira, perto.
4
Pragmática inutilidade das palavras,
estas,
a que pertenço quanto penso.
5
Ao menos o olhar,
essa
força aérea.
6
Rolo compressor dos meses,
descompressor das vidas-anos.
7
Animais livres e famintos
rondam
a minha casa:
nunca os chamo,
nunca os afugento.
8
(Na feira dos domingos, certo um deles,
aquele olhar de homem, azul,
posto em mim,
a roupa
me despindo,
a pele
me revestindo.)
9
Falo à noite na horta,
as árvores
inclinam a cabeça e ouvem-
-me.
10
Eu
sei.
II. ITÁLICOS ESCUTADOS NA MESA AO LADO
Risco contínuo.
Espírito santo.
O pai dele.
A única coisa.
À procura do perigo.
Eu tenho medo.
O dobro das coisas.
A fundo.
Não há segurança.
Por/exemplo para/passeio.
O cromado é a pele.
Facilitar o outro.
Entrar naquela das guerras.
Ir para Lisboa.
Uma pipa de massa.
Não fez o espólio.
A viver juntos.
Tem dias.
Pátrio.
Pessoas em que me reconheci.
Amortizações fiscais.
Absinto/dos pobres.
É/a velhice/assim a vida.
Por outro lado de qualquer maneira.
Dependente do ascendente.
Quase todos os dias tenho alguma coisa.
Sem mentir há um mês.
Sonho sozinho so(zi)nho.
Sempre com muito bom modo.
Como uns garotos.
III. CE/LE/RE/BRAR
Celebremos as formigas e a felicidade da inconsciência.
Assim à glória da levedura e às baratas também.
Celebrar é uma coisa boa, mete vinho, nem de fé
precisa: preciso, é cerebrar.
IV. COMO NA CANÇÃO DO ZÉ CID
Amanhã não se sabe hoje se ontem se esteve morto.
No Baleal de Peniche, ante o mar de Raul Brandão, uma pessoa amanhã não se soube.
As famílias esboroam-se como penedias dos dias demasiados, como arribas litorais que o vento, as maresias e os fados das litosferas alúem.
Eu amanhã cardei hoje, sou a formiga cantante.
Ontem se saberá.
V. BOOMERANG
Um boomerang de aves rumava hoje a sul-zénite
de eu olhá-las em meu delas norte-nadir.
Era pela tarde acabando-se: cegarregas & açucenas
ciciavam ’inda a sonora seda de, em tarde, noite ser.
Eu, nem feliz nem tristonho,
que a vida é um sozinho sonho.
E assim a digo, a deixo e a ponho.
VI. SEM RESPONSO
Onde se quedará a senhora que a gatos
gasalho dava de bom peixe em seu pátio?
Dela o marido frigia bifes em cervejaria,
que me não consta existam já ambos,
nem cervejaria nem marido. Os gatos foram,
mas – e a senhora? Acudirá ela ’inda
a fantasmas-gatos e a tardios na noite
pressurosos erosgestos de saúdo esponsal?
Vós mo não direis,
que no que me ledes,
responso me não
achareis.
VII
Ela tinha que dela se não dissesse, mas eu digo.
Da boca fora, a língua surdia de dentro os olhos.
Sentava-se à sombra em aceitação do mundo.
O mundo tinha coisas aceitáveis:
– os pátios onde a sardinha fumegava vizinhanças;
– a queima-das-fitas com doutores novos & velhos;
– a rainha-santa-mesmo-para-quem-não-acredita;
– os artis-tristes-tas que faziam mais filhos do que obra.
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