15. M(O)ELANCOLIA
Leiria, quarta-feira, 17 de Agosto de 2011
Companheira e eu fomos hoje pelo entardenoitecer até arribas de São Pedro de Moel. De um terraço-esplanada fruímos a ânsia melancólica do mar, a eterna antiguidade jovem dele – e dele, subindo ao céu desazulando-se em negro, aquele anil que uma fita de poalha de tijolo condecorava. Devemos ter sido felizes partilhando o ar, o rumoroso pélago, a comunidade do nosso silêncio melhorado pelas lonjuras alaranjadas dos candeeiros da costa.
Digo a minha (a nossa) vida em língua portuguesa. Até em português (nos) calo fundo. Ante o oceano visitante de São Pedro, senti os meus mortos e pensei nos meus vivos: gente portátil toda ela.
O farol pensava luz em terra num sonho de barcos. Um pescador à linha voltava em solidão a casa. Era muito jovem, o rapaz que servia a esplanada-terraço. E o azul do horizonte era a consequência da água tornando-se ar.
Océuano: oceano e céu.
E o ano seu: dela, minha companheira ante a mais invasiva reiteração da solidão essencial do ser humano, o mar-firmamento. Ali-além, por arribas de São Pedro de Moel.
–Daniel, –
disse-me ela
– agora não pode nunca mais nem jamais deixar de ser agora.
Eu estava a café, ela a água, o mar fazia-se negro nas pedras do areal tão breve como a vida, as vidas, as vidas de toda a gente, as gentes de toda a vida. Omaroamor etc.
A maresia tocava as vivendas litorais em pleno rosto-empena. Deu-nos pena não termos uma ainda, não ainda, tal que nela exercêssemos o ministério da partilha de tudo o que há: duas pessoas com suas sombras individuais e sua luz comum.
E a noite vicejava fresca com seu ferro e seu veludo – imensa e mansa. Pouca gente pelas ruas, pouca nos estabelecimentos-bebedouros: a crise económica, a pobreza social etc.
Ourejámos de faróis próprios a noite da estrada-regresso. Reconhecemos os anos porvindos e poridos: anos sem nós-em-corpo, como talvez tivesse de ser – e foi – e foram. A paz era uma mercadoria que nos retornava. Ao cabo da vi(n)da, vim escrever para este café: futebol no televisor, gente sentada como ovelhas dadas à fadiga dos dias, chocolates-escaparates, o crava-cigarros de todos os dias mendigando nicotina sem dor nem pudor, a maresia, enfim, das vidas alheias, onde não ingressa a certeza da minha necessidade de ânsia, distância e m(o)elancolia.
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