© DA. Leiria, 22 de Dezembro de 2011
2. JULHO E ARREDORES
Leiria, quinta-feira, 14 de Julho de 2011
Senhora melancólica tomando uma imperial e fumando um cigarro pela tardinha. No Café Colonial, ao número 10 da Avenida Combatentes da Grande Guerra, Leiria. Óculos escuros descansando na cabeça, blusa de listras branco-azul-escuras. Calças de ganga, sandálias brancas de fivelas. Quarentas & picos. Pensativa, o olhar na rua. À porta, uma pomba indaga migalhas. Mãos vermelhas de ambas, senhora e pomba. Donas ambas, pomba e senhora, de silêncios sensoriais (siderais, também). A senhora levanta-se, sai do café e desta página.
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QUADRA PARA AZULEJO DE MONTRA DE GARRAFAS
A avicultura e a gonorreia também existem,
como aliás idem o Brasil e os olhos claros.
Os palimpsestos são decerto mais raros,
nem todas as coisas, não, resistem.
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Chamo-amo-te no interlúdio sombrio
sempre que à luz tua tanta porfio.
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INVENTÁRIO DE JULHO QUASE MEADO
Dois toxirrapazes a tiracolodependentes da própria idade; a fachada obsoleta da Igreja Evangélica (puta-que-a-pariu amailo seu americanizado Cristo); um pão-com-chouriço-tipo-micro-ondas; um pub-relógio-de-parede; um homem de calças verdes como uma alface com pernas; os corpos das pessoas: os órgãos dentro engendrando os motores, os motes, os motivos, as moções e as monções; as palavras ressumando sais e lábios; as surpresas e as que nem por isso; a glotológica geografia do Chile; o cabelo do homem-alface: argênteo, coruscante; a força das coisas: os gansos, os patos, os correios, o arroz, as tradições, os ritos, os rictos, os ritmos, as arritmias, as cebolas vasculares-cerebrais; (saudades da minha Mãe, o peito amolgado como uma lata no chão; saldos até 70% do preço original; liquidação-total-da-existência-últimos-dias-igreja-evangélica; um caso de amor gravíssimo na cidade de Leiria, à vista de toda a gente; um homem conduzindo um berçário rolante com ser humano fresco dentro; uma agente imobiliária com capacete forrado a caqui colonial; um careca gordo com adequadas marcas de giz azul na cabeça, dada a condição bola-de-bilhar; a sub-reptícia tristeza universal.
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Esta tarde, sozinho como um cão dado a raciocínios, usufruí da vereda aérea de árvores beira-Lis. Foram instantes aeróbicos: bebi pelo nariz o fino-quase-frio ar da água. Refrescou-se-me o corpo-família: respirei, até, pelos meus que não respiram já. À flor a água, os patos bordavam natatinhoriamente. Um pescador-à-linha pensava a linha. A Oeste, o clarão de Julho encimava minas de ouro-branco, o Castelo alteava a montura memória de José Maria Eça de Queiroz, estava tudo em seu sítio. Transitei. Cruzei passadeiras com extrema precaução, uma pessoa nunca sabe, cuidada a extrema-unção, li o jornal do café, informei-me dos crimes-de-sangue e das roubalheiras, desejei as boas-tardes a toda a gente, viva e/ou morta.
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AVISO I
Para amar de novo, só com as vacinas em dia.
AVISO II
Se ter não for pertencer, não rima.
AVISO III
Quem me ama, nem sabe o que perde.
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Pactuarei nunca com a ignara perfídia do género humano cevado, mais que nado e menos-que-nada, no meu Portugal. Isto por aqui é tudo meu: a tarde ribeirinha, as distâncias azuis, o fulgor flavo do Outono-sem-dono: o meu País é o cristal da areia na sola dos sapatos, a cereja de Resende & Lamego à beira-sede dos polícias de trânsito, é todo o trânsito:
a praia-morrinha-poalha-de-sal,
vê lá tu, tu ó minha querida,
que é Portugal.
(Quanto ao resto, não sei muito bem, não li nem vou.)
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