24/06/2008

Abraço crónico

Vemo-nos hoje no Chiado?
Às 18h30, na Livraria Sá da Costa, em Lisboa?
Está bem.
Deixo-vos duas crónicas para a viagem, então.
E aquele abraço.
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Rosário Breve - 57 e Contra os Canhões - 12


CRIME, DISSERAM ELAS

Faz por estes dias 54 anos: no dia 22 de Junho de 1954, duas adolescentes, Pauline Parker e Juliet Hulme, assassinaram a mãe da primeira. Com um tijolo envolto numa meia, esmagaram-lhe a cabeça num parque da cidade de Christchurch, onde residiam, Nova Zelândia. Foi um crime longa e minuciosamente planeado pelas duas. “Tinham” de levá-lo a cabo por causa da estranha ligação que as colava (e clonava) uma à outra.
Tinham 16 anos, Pauline, e 15, Juliet. Consideravam-se diferentes, naturalmente para muito melhor, do resto do mundo. Um poema de Pauline, escrito por esses anos interiores e herméticos da adolescência, assentava que elas eram “os mais gloriosos seres da Criação”. Nada menos. E mais (traduzo): “É um milagre, deveras tem de se sentir,/ que tais duas celestes criaturas possam existir.” (Nota: “Heavenly Creatures” deu título de filme em 1994, com Kate Winslet, a mesma do “Titanic”, no papel de Juliet).
Estranho e trágico: antes do crime, ambas tinham a certeza de que tudo quanto então escreviam só poderia ser aceite de imediato, e com entusiasmo, pelas principais casas editoras de Nova Iorque. Daí a convites para adaptação de filmes em Hollywood, seria um minuto, um brevíssimo instante de pura luz. Não foi.
O problema era que o pai de Juliet, um eminente físico universitário, quis ir trabalhar para a África do Sul e, claro, levar consigo a filha. A mãe de Pauline opôs-se a que a filha fosse também com eles. Morreu disso.
Descobertas, as raparigas estiveram presas cinco anos. Libertadas sob condição de nunca mais se reverem, cumpriram a condição.
Pauline vive hoje em Inglaterra.
Juliet foi para os Estados Unidos, tornou-se mórmon, vive hoje com a mãe (dela) numa comunidade isolada (Portmahomack) da Escócia. Mas já não se chama Juliet Hulmes. Tornou-se Anne Perry, aclamadíssima autora de romances criminais de excelente qualidade. Por exemplo “The Face of a Stranger” (“A Face de um Estranho”, na edição portuguesa da Gótica), entre muitos outros enredos situados na decadente Londres vitoriana da década de 1880, a Londres dos nevoeiros e dos brutais crimes de almanaque popular. São livros óptimos para filmes.
Juliet sempre chegou a Hollywood.
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Bairro Nosso - 5 e Crónica Mundial - 7
http://www.jornaldocentro.pt/

ALCATEIA NO POVO

Falando de Humanidade, nada há de melhor do que o povo quando é Povo. Mas quando se torna Populaça, não é Povo: é Alcateia.
Por todo o mundo, em todas as comunidades, de todas as cores e de todos os credos, isto é uma verdade insofismavelmente histórica e historicamente insofismável. Voltou a ser verdade na segunda-feira, 16 de Junho. Deu-nos disso conta o jornalista José Miguel Gaspar, no Jornal de Notícias de terça, 17.
Simone, de 21 anos, rapariga da freguesia de Semande, concelho de Felgueiras, raptou um recém-nascido no Hospital Padre Américo, em Penafiel. Foi descoberta quatro horas depois. O bebé foi devolvido aos pais, Simone foi entregue ao tribunal, autoridade que, dia 16, lhe determinou prisão domiciliária até julgamento.
Cá fora, a populaça esperava gulosamente por ela. No intervalo dos jogos da Selecção, convém ter alguma coisa que fazer: por exemplo, “justiça”. Gulosa, inquisitorial, ávida, mirone, judiciosa, vigilante, mortinha por interferir, uma mulhereca qualquer, à saída da raptora, gritou-lhe (cito, com a devida vénia, o relato do jornalista do JN): “Badalhoca! Badalhoca!”. Juntou-se-lhe logo outra, muito excitada, como se estivesse no Rossio de Lisboa há 500 anos a dar uma mãozinha à queima de cristãos-novos: “Não mostras a cara, é? Ai, agora tens vergonha?! Deviam era chegar-te lume!”
Não ponho minimamente em causa a gravidade do crime praticado por Simone. Pior do que este, só violar e matar uma criança. Aqui afirmo, aliás, o que decerto é sentimento comum a toda a gente de bem: todo o crime contra uma criança é crime contra toda a Humanidade. Mas sublinho: contra a Humanidade-Povo, nada a ver com esta populaça reles e “justiceira” que, ao cabo de “chegar lume” às tristes e descompensadas simones
(que do mesmo povo provêm, afinal), volta para casa muito gaiteira para assar chicharros, mamar carrascão e dar tabefes nos próprios filhos.

5 comentários:

Anónimo disse...

A esta hora já não vou a tempo...
Que tudo corra bem!

Cp

Anónimo disse...

o meu amigo jorge vicente, que foi ao evento ontem, já me fez um relato pormenorizado da sala cheia, e do bom ambiente que por lá se viveu :) tenho pena de não ter ido, mas fico contente que tudo tenha corrido tão bem :) um grande beijinho e muitas felicidades para o teu anjo, daniel *

Daniel Abrunheiro disse...

Obrigado a todos os puderam estar mas também a todos os que, não tendo podido, estiveram.
Para já, exemplares à venda só na Livraria Sá da Costa, ao Chiado, em Lx.
Em breve, nas livrarias todas.

João C. Santos disse...

Muitos parabéns Daniel!!

Desculpa por não estar presente,

Um abraço

Gabriel Oliveira disse...

Um grande abraço de parabéns, que mandei pela Tina e que repito aqui.

Canzoada Assaltante