Viseu, manhã de 12 de Junho de 2008
Os teus olhos são as mais duradouras flores da chuva.Digo isto sem ser por erotismo.
Digo isto porque ainda não te cancelei o meu coração.
Estou a falar contigo, é quinta-feira, um ano qualquer.
Sentei-me, outro dia, numa pedra da cidade.
Testemunhei o tempo e a mortandade da beleza.
Vi passar uma senhora com a memória à coleira.
Topei perfeitamente as palavras pensadas dentro das pessoas.
Exerço o meu ministério vivente contra o futuro.
Um dia teremos sido – e nada constará de nós.
Cavalheiros vestidos de preto sentinelam o rio.
Um comboio é uma atitude de ferro.
A tua pele muito branca vai ser o fato de noiva
para outro homem, quando eu mais não puder
amar, nem chamar duradouras flores pluviais
aos teus olhos que pensam como duas bocas azuis.
Traz-me um pouco de água, lava-me as mãos
que sujei na guerra, nos bares, em outras mulheres.
Desenha-me um anjo a carvão na neve.
Deixa-me ir ver o futebol – ou então as árvores.
Estou ainda muito aonde não fui.
Invoco os meus mínimos deuses de terracota.
Crianças bailam num pátio de cavalos.
O carteiro traz-nos palavras numerais, frias.
Se pudesse, nunca mais te morreria.
Nunca teria falado com ninguém para que ouviras.
Dou-te estes campos de arroz, estas cegonhas:
sou o teu homem, sou, como diz aquele livro,
um saco de vísceras apertado em cima por um olhar.
Fui há dias a Lisboa, trouxe de lá as mãos queimadas.
Vi lá muitos livros, alguns eram pessoas.
Entrei num café, conversei sobre bacalhau e economia
com o senhor do balcão, que era Martins
como tantos outros.
Depois, anoiteceu comigo em baixo,
vi passar Santarém, Albergaria dos Doze,
Adémia, Pampilhosa, era estranho estar tão vivo.
Sentei-me num sítio fresco, trouxeram-me sopa quente.
Partilhei o pão de milho com quatro pombas.
Devo ter sido vagamente feliz na contramão: a luz
era o mais buliçoso cristal da noite.
Agora faço isto amanhã.
És o melhor dos meus ontens.
E por puro amor púrpuro
a azul te digo isto, branca.
1 comentário:
Desenha-me um anjo a carvao na neve, dessine-moi un ange au fusain sur la neige.
Sublime mon ami.
La solitude prise au piège de son
doux poison d'ancolie et de fulgurants feux-follets!
C'est toujours douloureux et étiré, on aime sa main tendue.
un baiser pour toi daniel.
Fica bem.
Està a chover, acreditas? e frio!!!!
LM
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