05/06/2008

Mais 4quatro4 cronicanços

1. Rosário Breve - 55
O Ribatejo - www.oribatejo.pt

ABAIXO O CARMO, VIVA A TRINDADE

Prefiro Rainer Maria Rilke, mas a realidade é Pedro Santana Lopes. Se pudesse, falar-vos-ia de Manuel Vásquez Montalbán, mas é que Marcelo Rebelo de Sousa. É sempre tão pouco (tão nada) da segunda parte, não é?
Primo Levi e Cesare Pavese são imbatíveis, mas batem-me mais Manuel Pinho e Lurdes Rodrigues. Não tenho dúvidas de que a vida é menos obtusa com Henry James e com Graham Greene, mas ele há o Miguel Sousa Peixoto e o José Luís Possidónio Tavares Cachapa.
Evidentemente, Corrado Alvaro e Fiodor Dostoievsky, mas no entanto, entretanto, Manuel Serrão e sua gordura oral e João Carlos Espada e seu mau hálito moral. Sinceramente, quem em seu bom juízo e melhor fé duvidaria de que a coisa só lá vai com a santíssima trindade Camões-Eça-Pessoa? A tríplice coisa factual, porém e no entanto e todavia e em toda a conjunção adversativa possível, é Manuela e Moura e Guedes. Ou idem e Ferreira e Leite.
Trindade por trindade, maiêutica por maiêutica, ironia por ironia, condado por conperdido, portucalense por portucalense, mãe e filho, só quero isto: que caia o Carmo ao Scolari. É o que mais lhe desejo, a Bem da Nação. Aqui e agora o confesso. Contra Portugal-Portugal-Portugal (estranho eco do antigo Salazar-Salazar-Salazar), vou no, espero que breve, Euro-2008 arredondilhar por Suíça-República-Checa-Turquia.
Por estes três e por Rainer Maria Rilke.
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2. Contra os Canhões- 10
Região de Leiria - www.regiaodeleiria.pt


AO GÁS DO TEMPO

Em tempos que já lá vão e que a cá não voltarão, morei em Leiria.
Era nos Parceiros. Já então, como agora, levantava-me muito cedo e não sabia, logo desde cedo, que fazer de estar vivo. Então, fazia assim: vivia.
Era meu um citröen tão antigo, que cheguei a pensar candidatá-lo àquelas coisas da Unesco, não sei quê património, não sei quê mundial. Não o (nem me) candidatei.
A verdade é que, naquele tempo, o meu corpo era dez anos mais novo do que este de agora, facto e condição que aproveitei para usá-lo contra várias pessoas, todas do sexo feminino. Todas menos uma (ou um) que ainda hoje não sei se sim ou sopas, se sim ou não, se era ou não era. Bons tempos.
Entretanto, tornei-me este. Melhor: entretanto, tornei-me isto – um imprestável parafuso na engrenagem da vida paulatinamente oxidado pela usura de viver enquanto estou vivo. Tinha de ser.
Ele há, porém, coisas boas. Coisas boas, ainda. E coisas ainda boas. (Falo de cor, porque a memória é a mais prospectiva coisa das coisas.) Passo a enumerar: certas oblíquas frechas de sol través altas plúmbeas nuvens pelo entardecer, fenómeno luminotécnico que me faz suspeitar da improbabilidade de Deus; a euforia absolutamente columbófila das crianças por razão nenhuma (ou por nenhumas razões outras que a de ser criança e a de nunca terem, elas, vivido nos Parceiros); e a feliz melancolia de ler-reler o Eça, o Faulkner, o Cesário e a Yourcenar, como já então lia e aproveitava.
Nos tempos que, se vierem, hão-de vir, conto exercer o meu novo corpo velho a favor de outras tristes euforias. Tenho em casa duas gatas (gatas mesmo, nenhuma dúvida genérico-sexual) para alimentar e ninar, para além da mulher sobre cujos ombros, e não só, recai o quase insustentável peso do meu ser. Tenho isso e Caldwell e Updike e Drieu de la Rochelle e Cossery e Fielding e Nuno Bragança e Lope de la Vega para ler. Tenho estes todos e toda a recordação dos 38 + 2 contos que pagava de renda nos Parceiros. Os dois mil suplementares eram para a botija de gás, em preços que, como a outra vida, já lá vão.
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Crónica Mundial - 5
Jornal do Centro -
www.jornaldocentro.pt

MEMÓRIA DE CARLOS ALHINHO

A morte é sempre trágica, escandalosa sempre.
Também é, a par do nascimento, a mais natural consequência desse intervalo entre uma e outra coisas – a vida.
A morte de Carlos Alhinho reforçou-me estas convicções. Custa muito, resignar-se uma pessoa a tais passamentos e a tais pensamentos. O acidente que o vitimou há poucos dias em Benguela (caiu no poço de um elevador de hotel) teve tanto de aparatoso quanto de infeliz. Uma fracção minha (nossa, mais bem direi) caiu com o Carlos e morreu com o Alhinho.
Ele veio da África, então portuguesa, para estudar em Coimbra e jogar na Académica. Foi o primeiro internacional português a alinhar pelos três “grandes” da bola lusitana: Sporting, Porto e Benfica, por esta ordem. Pendurou as botas depois de representar o Portimonense. E subiu o Académico de Viseu à I Divisão, emblema que treinou com grandes profissionalismo e dignidade entre 1986 e 1989.
Agora, Carlos Alhinho é um nome e duas datas. Só isso? Só isto? Compete-nos responder que não, que não apenas isto nem isso, recordando-o como subido cavalheiro de um meio nem sempre cavalheiresco nem elevado – o Futebol.
Com ele, por ele, recordo outras malogradas figuras da caderneta do jogo: o Vítor Damas, o Chico Gordo (que morreu a trabalhar numa obra da construção civil), o Vítor Baptista (nosso George Best, por tudo e mais alguma coisa), o Zé Beto e o Rui Filipe, o Féher, o Pavão, o Bento e tantos outros, mas tantos, que eu precisaria do resto da paginação do Jornal do Centro desta semana para os chorar com sobriedade.
Sim, é triste, a morte é triste e entristece os vivos. Cabe-nos, vivos, aceitá-la, é certo, mas é nossa competência e nosso direito, também, chamar-lhe, à morte, nomes feios quando ela se arma em parva e nos rouba, antes do tempo, pessoas como o Carlos Alhinho.
Como ele e como toda a gente nossa, afinal.
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Bairro Nosso - 3
Jornal da Bairrada - www.jornaldabairrada.pt



LDLPB: INSCRIÇÕES ABERTAS

Tenho para com este Governo a mesma resignada desconfiança com que frequento sanitários públicos. Será coisa decorrente do meu mau feitio, concedo, mas é verdadeira como a melancolia que resulta de ver chover sem sol ao fundo do túnel.
A roubalheira das petrolíferas, a megalomania de têgêvês e otas & alcochetes, o disparo fogueteiro do preço dos alimentos básicos, o desemprego crónico, a crónica hipocrisia dos campeões morais de pacotilha, a histeria massiva da Selecção “Nacional” da bola, a violação sem anestesia da língua portuguesa nas televisões “nacionais”, a lerda idiotia dos opinadores (como eu), a invencível obtusidade do ex-Povo, a córnea autocracia dos autarcas – tudo isto me faz ingressar na triste LDLPB: Liga dos Daltónicos Limitados ao Preto-e-Branco.
Também vos digo que receio menos, porém, este País do que o futuro. Não o meu futuro pessoal, mas o das minhas filhas. Das minhas filhas, dos vossos filhos e dos nossos netos a haver.
Toda uma geração se queimou para que nos aquecêssemos ao esperançoso lume do 25 de Abril. A cinza dessa queima é isto: este presente gasolineiro, megalómano, básico, crónico, histérico, violado, idiota, obtuso e córneo.
“Vale-nos” que, em vez de à força trinarmos, como antigamente, “Salazar, Salazar, Salazar!”, somos agora todos patrioteiros futeboólicos e todos podemos, agora, urrar “Portugal, Portugal, Portugal!” em brasileiro ortográfico, em aramaico de missa de domingo, em pontapé de canto assinalado com cal não corrosiva de virilhas em caso de queda ou em promissória de prometida chamada para o Luxemburgo no Centro de Desemprego e Insegurança Social mais próximo do seu receptor de TVI.
Em nome da LDLPB, aceito inscrições. Neste jornal.

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Canzoada Assaltante