19/11/2021

PARNADA IDEMUNO - 834

© DA.


834

Terça-feira,
16 de Novembro de 2021

    O Verão de 1999 foi para mim tempo de metafórica travessia de um deserto sem retorno – sem retorno mas recorrente no meu pensamento. Deixou cicatrizes vivas & antónimas de írritas. Ocorreu-me há pouco, quando lia o segundo capítulo de La Mort de Quelqu’un / Morte de Alguém, obra de 1911 da pena de Jules Romains (1885-1972). O pensamento tem muito disto, digo, deste mesclar coisas tantas vezes sem ligação lógica terra-a-terra-pão-pão-queijo-queijo.
    Verão, 1999. Dias precários, noites irrefutáveis. Passou, todavia. Sarei-me. Com cicatrizes embora, convalesci & sobrevivi. Não renasci em olor de santidade. Despertei mais pessoa, por assim: menos ingénuo, menos amável (& menos amado), mais blindado, menos espontâneo, mais endurecido. Este renascimento continua processando-se – e não propriamente no sentido desejável. Que sentido desejável? Ora, não percamos tempo com algo que, por não ter remédio, remediado está.
    Ou então:

    Liberam-me algumas palavras às vezes justas
    Vocábulos capazes de força como gente vertical
    Animais silábicos vivíssimos que agem à vista
    Sim, palavras há que me vivem em solidariedade.

    Remunero-as como sei & posso: florindo-as ao ar
    Este ar de papel que faz adejar minúcias
    Este circuito de significação que resulta em pessoa
    Esta liberação em processo de duração limitada.

    Não é Verão, não é 1999, são outras as cifras
    O eu-corpo mesmo dá-se a ser outro-em-si
    Dou por mim sabendo mais provérbios do que outrora
    E de assuntos como Amor & Economia digo pouquíssimo.

    Prefiro as palavras que me não desamparam a loja
    Felizmente milheiras me são elas, verdade pura
    Desde menino que algumas me são cães fidelíssimos
    E eu cão delas por elas liberado & a elas grato.

    Palavras fazem-se-me pessoas com useira constância
    Metem-me gente papel adentro quase alegremente
    Nem eu quereria que de outro modo fosse
    É-se afinal livre quando a palavra é justa.



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