http://www.oribatejo.pt/2014/06/30/santarem-limpeza-na-junqueira-e-festa-na-fonte-das-figueiras/
Levando
o cântaro à fonte
Eu gosto de quem gosta da Fonte das
Figueiras. Gosto, gosto. É gente exemplar, no sentido em que, pela prática do
exemplo, demonstra sem peias nem rebuços a evidência seguinte: o melhor que há
a fazer à sujidade é limpá-la, não é carpi-la. O zelo castra o desmazelo. E ao
desconcerto do mundo – o mais é concertá-lo, consertando-o.
Aquela gente é veramente comunitária – sabe
que o Outro existe, querendo para ele o que deseja para si mesma: um mundo mais
limpo, mais respirável, mais humanista. A ecologia dela é com sabão. E o sabão
nunca cheirou mal.
Também me agrada sobremaneira que tal
movimento seja apartidário. Mas atenção: tal não significa que o resultado do
seu activismo seja apolítico. Nem menos. Porque política a sério não é
profissão: é missão. E é a resolução prática de problemas concretos. Não é
torcer o que está mal, é torná-lo dextro. Porque o mundo é no nosso quintal que
começa.
Percebo que isto desassossegue os políticos
profissionais. Enxadas e enxós sempre inquietaram os colarinhos-brancos. Baldes
e esfregonas, idem. Espátulas e trinchas, aspas. Percebo que eles se alvorocem,
que mandem batedores subassalariados por antecipação. Percebo, percebo – o que
me faz gostar ainda mais da Fonte das Figueiras. E da Fonte da Junqueira. E das
fontes todas que, manando da terra que é de todos, a todos se oferecem
limpamente e de limpa mente como aquela gente.
O chato é a possibilidade de aquele
Movimento, um destes dias, pegar de estaca, a ponto de o resto do País se
julgar ribatejano & pró-activo. E se os zeladores da Fonte das Figueiras se
lembram de ir limpar a dívida colossal da Câmara de Santarém, expurgando-a de
pus e crosta? E se àquela malta lhe dá para vir de lixívia esfregar o contrato
do Café Central, ou vir de escova de aço cardar a lã ao estacionamento
tarifado, ou ensaboar os processos inquisitorial-disciplinares aos impugnadores
de concursos manhosos, ou fazer uma barrela das antigas aos contratos orais com
empreiteiros, ou impor uma faxinadela das valentes ao encerramento de
maternidades e afins estruturas da saúde?
Imaginai ainda mais: que aquela gente
afinal perigosa (porque gosta de música, de poesia e de partilhar a merenda,
entre outras subversões) desata por aí a lavar os cestos da Selecção Nacional
da Bola, a vindimar a direito na Assembleia da República e a arejar os
bafientos salões dourados que, de Bruxelas a Estrasburgo com moratória central
em Berlim, nos ensombram a soberania e nos atulham o presente e o futuro de
lixos irrecicláveis como o desemprego vitalício, o desamparo na velhice, a
choldra na justiça, a impertinência na educação, a selvajaria antropófoba do
hipercapitalismo, a manipulação no jornalismo e a infelicidade obrigatória da
pessoa singular?
Calma. Por enquanto ainda só estamos a
levar o cântaro à fonte. Até o dia em que ele teime em lá deixar a asa. E isso
pode acontecer.
A partir das Figueiras e da Junqueira,
pode. Pode, pode. É limpinho.
Sem comentários:
Enviar um comentário