03/07/2014

Rosário Breve n.º 365 - in O RIBATEJO de 3 de Julho de 2014 - www.oribatejo.pt

Ver também:
http://www.oribatejo.pt/2014/06/30/santarem-limpeza-na-junqueira-e-festa-na-fonte-das-figueiras/


Levando o cântaro à fonte

Eu gosto de quem gosta da Fonte das Figueiras. Gosto, gosto. É gente exemplar, no sentido em que, pela prática do exemplo, demonstra sem peias nem rebuços a evidência seguinte: o melhor que há a fazer à sujidade é limpá-la, não é carpi-la. O zelo castra o desmazelo. E ao desconcerto do mundo – o mais é concertá-lo, consertando-o.
Aquela gente é veramente comunitária – sabe que o Outro existe, querendo para ele o que deseja para si mesma: um mundo mais limpo, mais respirável, mais humanista. A ecologia dela é com sabão. E o sabão nunca cheirou mal.
Também me agrada sobremaneira que tal movimento seja apartidário. Mas atenção: tal não significa que o resultado do seu activismo seja apolítico. Nem menos. Porque política a sério não é profissão: é missão. E é a resolução prática de problemas concretos. Não é torcer o que está mal, é torná-lo dextro. Porque o mundo é no nosso quintal que começa.
Percebo que isto desassossegue os políticos profissionais. Enxadas e enxós sempre inquietaram os colarinhos-brancos. Baldes e esfregonas, idem. Espátulas e trinchas, aspas. Percebo que eles se alvorocem, que mandem batedores subassalariados por antecipação. Percebo, percebo – o que me faz gostar ainda mais da Fonte das Figueiras. E da Fonte da Junqueira. E das fontes todas que, manando da terra que é de todos, a todos se oferecem limpamente e de limpa mente como aquela gente.
O chato é a possibilidade de aquele Movimento, um destes dias, pegar de estaca, a ponto de o resto do País se julgar ribatejano & pró-activo. E se os zeladores da Fonte das Figueiras se lembram de ir limpar a dívida colossal da Câmara de Santarém, expurgando-a de pus e crosta? E se àquela malta lhe dá para vir de lixívia esfregar o contrato do Café Central, ou vir de escova de aço cardar a lã ao estacionamento tarifado, ou ensaboar os processos inquisitorial-disciplinares aos impugnadores de concursos manhosos, ou fazer uma barrela das antigas aos contratos orais com empreiteiros, ou impor uma faxinadela das valentes ao encerramento de maternidades e afins estruturas da saúde?
Imaginai ainda mais: que aquela gente afinal perigosa (porque gosta de música, de poesia e de partilhar a merenda, entre outras subversões) desata por aí a lavar os cestos da Selecção Nacional da Bola, a vindimar a direito na Assembleia da República e a arejar os bafientos salões dourados que, de Bruxelas a Estrasburgo com moratória central em Berlim, nos ensombram a soberania e nos atulham o presente e o futuro de lixos irrecicláveis como o desemprego vitalício, o desamparo na velhice, a choldra na justiça, a impertinência na educação, a selvajaria antropófoba do hipercapitalismo, a manipulação no jornalismo e a infelicidade obrigatória da pessoa singular?
Calma. Por enquanto ainda só estamos a levar o cântaro à fonte. Até o dia em que ele teime em lá deixar a asa. E isso pode acontecer.
A partir das Figueiras e da Junqueira, pode. Pode, pode. É limpinho.

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Canzoada Assaltante