Menos
um morto ali para a mesa do Moita
Não é só o professor Marcelo que faz
homilias dominicais. Moita Flores também as faz. É na página 2 do Correio da Manhã. Não há véspera de
segunda-feira que lhe escape. Na mais recente, perorando um chorrilho de banalidades
vácuas sobre os incêndios que cada Verão nos causticam a Pátria, sai-se ele com
esta assim: “Oxalá morram menos pessoas,
mas que ninguém duvide que o fogo nos vai abrasar outra vez.”
Pode ser que eu seja picuinhas. Pode, até,
que eu solenemente me dê ao desperdício de embirrar com o homem. Pode. Mas, a
esta, não lha deixo passar em claro, que nem na lerpa sou de ir ao escuro.
Basta olhar para a (des)conta-corrente da Câmara de Santarém para ver sem
precisão de óculos e/ou de binóculos que este senhor Moita é de más contas. De
modo que o interpelo aqui assim: Menos pessoas mortas? Quantas menos? Um
bombeiro? Dois? Três civis? Meia dúzia? Frase infeliz, irreflectida, vã, de copy-paste moralóide: “Oxalá morram menos pessoas (…)” A frase
correcta, até humanamente, até curialmente, até como toda a gente, teria (e
tem) de ser: “Oxalá ninguém morra.”
Ao contrário do senhor Flores, a minha
mulher é pertinente. Para além do ofício de ganha-pão, é bombeira voluntária há
uma carrada de anos. Terei eu de pedir ao senhor Flores que a integre na sua
oração-de-oxalá? Que seja ela, este Verão, uma das “menos” que não ardam? Uma das que, sacrificando-se na ara e em
aura de solidariedade social-colectiva, não deixem de si apenas cinzas, pó que
somos todos?
Atenção, por favor: nada me move contra o
ex-edil de Santarém, esse fugitivo do e ao escrutínio público. Também nada dele
me comove. É criatura bidimensional apenas. É apenas outro professor Marcelo. É
apenas outro Seara. Outro Sousa Tavares filho apenas. E outro Romeiro do Frei Luís de Sousa: “Ninguém!”.
Mas, figura pública que tanto e tão
incansavelmente se autopublica e que tanto e tão incansavelmente se
autopromove, tem responsabilidades. A citação motriz desta crónica sobrepassa o
banal. É lixo à nascença. É uma treta até crápula. É uma coiseca vadia. Alguém ainda me há-de explicar como
é que o (esse sim, grande) Luís Filipe Costa se deu ao luxo triste e ao
desperdício de co-assinar com ele aquela frívola coisa dos “Polícias” para essa ampla manjedoura de inúteis e de cravas
chamada RTP. Ou como é que há editora que de Moita carrascamente publique os
dramalhões pseudo-históricos relativos ao elenco episódico da nossa vil
capoeira pátria: das Ferreirinhas aos
Ballet-Rose, dos Alves-dos-Reis a toda a trapalhada com a própria mulher em protagonista do telelixo do marido.
Digo eu e tenho razão: uma pessoa séria não
deseja, nem muito menos escreve, menos morte. Deseja nenhuma. Escreve nenhuma. Num desastre de avião, uma
pessoa decente não diz que “ainda bem que
só morreram 273, sempre se safou a hospedeira”. Um escriba a sério nunca
rosna que “no próximo bombardeamento de
Gaza, oxalá que os israelitas matem menos quatro crianças”.
Há coisa de duas décadas, Gilles Lipovetsky
escreveu uma obra chamada “A Era do
Vazio”. É a nossa. É a porra da síndrome do balão: muita cor por fora mas
só ar quente por dentro. Hélio de ninguém. Nada-resto-zero.
Já quanto à dívida da Câmara de Santarém,
oxalá que este ano seja de menos milhões. Um milhão por cada morto a menos na
fogueira do senhor Moita, a quem só não mando ir pôr-se num porco por não
saber, eu, se ele domina a arte do contorcionismo.
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