GAP
Coimbra, quinta-feira, 23 de Dezembro de 2010
I
Possuo (é verdade) quanto vejo.
É meu o mundo e minha a cinza azul.
Desta pessoa os olhos claros possuo a patente.
E é que sou mísero e feliz em demais gente.
Encaro as árvores como acontecimentos
e os pássaros como consequências.
Ao balcão, os homens preenchem-me o ar
que o pensamento urde para ser vento
na estepe da cabeça toda mental e só.
Não seja a vida reles como a digo.
É uma prece de amigo, uma quimera
(como todas vã e homérica, como todas).
E de poesia cinjo plano, poupança e reforma.
Como ilhas gregas a um olhar nórdico.
Como camiões num barco em a manhã suja.
Como areia varrida casa afora pela mulher
do pescador, como todas, como todas.
O céu enegrece a meio da tarde, penso na vida.
Um desfile de cães festeja o adro da igreja.
A maioria das pessoas é Maio o ano todo.
E eu possuo Novembros em vórtice-catadupa.
Agora, vê: isto não tem mal que se lhe diga.
Esmaecem os anis vertidos a poente.
Que clara porém é no entanto a coisa
entre tanta coisa, o lápis na loja,
a criança burilada a louro, o avô
que pelo centro comercial a pastoreia
nataliciamente: e eu aqui, em urdume
narrativo o mais insensato, pois que
sem história (que) nem te conto.
Falei com a senhora, não me esqueci.
Um senhor fumava cachimbo,
adoçava-nos o ar de representações
do Oriente, era bom ser flor de estufa
na carnação carmim da labiação mais
ortoépia.
Um caule de trevo acidula a poesia mijona,
que quanto vejo, amiga, possuo e desejo.
Agora, lê: isto é tudo de ser gente além
da gente que nos fez, uma noite de
princípio de Verão em década que
só dos livros conhecemos – ou então
da BBC.
Agora, adultos, tratam-nos por senhor
onde pagamos em dinheiro, falam-nos
da Académica como se a Académica
nos interessasse mais do que o
Celtic de Glasgow. Ai, eu não! Eu
ando aqui a arrendar espaços vãos e
homéricos.
Obras para um novo Centro Escolar,
isto num sítio-época em que não
há crianças, excepto talvez aquela
com seu avôzinho perto do enfarte,
da chegadas & partidas – linha 3
mind the gap.
E um pouco que de si mesma saia a pessoa
faz-se, direi, barco em terra, o ar do
vento mental na cabeça que é pernas,
direi, toda só, só pessoa que possui
e se é aos homens, ao balcão,
à claridade da noite.
Diz que chove.
Diz.
Di-lo-me.
II
I wonder where the city boys can go.
Mind the gap, nevertheless mind the gap.
E a estranheza de não serem eles
portugueses, não usufruírem do fiapo
de bacalhau norueguês no dente que
se azula, nem hálito a alho,
nem hábito de Thomas Stearns
Eliot, que aliás se desamerica-
nizou a julgar pela Ática bilingue
dos Four Quatro Quartet(o)s e da
The Waste Land, essa terra
estéril-pasteurizada dos sonhos.
Olha, agora lê: possuo apenas
quanto amo.
E quanto amo não é o que
olho, mas o que vejo.
III
E agora fala-me da tentação das tílias.
Fala-me da desarrumação das famílias.
1 comentário:
Olha é espectacular, como é kisto nao està ali em escaparate, em vez do ...ouso????
deixa...lindo daniel, a tentaçoa das tilias mata-me, olha keu jà tou toda enroladinha...
bjo
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