22/09/2023

H. EM BUSCA DELFIM - 149 a 151

 

149

 

Hermínio é hoje mais plástico do que elástico.

Acontece-aos-melhores, como sói dizer-se.

O mais é ir comendo, à escassez do foder-se.

Ele há que ter calma – e não ser tão drástico.

 

Delfim, conheces bem a em-si efémera transitoriedade.

Nascemos ambos, felizmente, em esta mesma Cidade.

Que, por festa, ’inda nos resta? Quê? Dez anitos?

É de ir ao Machado de Castro & ao Portugal dos Pequenitos.

 

Hermínio, não dormiste de dia, a noite te será dura.

(E quem diz esta noite, diz a vida-futura.)

Importa nada. Hora a hora, dado o pão às aves,

’inté parece que vais rumo a noites mais suaves.

 

Delfim, aprecio ainda (de nossa idade) as idosas ataviadas.

Duas dali-Monte-Formoso são sexymente apetecíveis.

Pouco me interessam que se lhe hajam fundido os fusíveis.

São musas ainda, leonores-de-fontes-por-as-alvoradas.

 

Hermínio, paterneto de José, inquilino de quarto antigo.

As noites são mais vastas que nefastas, feitas as contas.

Amarguras a mais são dissipações tontas.

Se o paterAvô vivo, seria ele meu Amigo?

 

O materAvô (Carlos) era bem mais complicado.

Sucedia bater na mulher, era então normal tal fado.

Diz-se que aprendeu a ler sozinho.

E não tinha, como o materneto, o vício do vinho.

 

Delfim, o dito comércio-tradicional da nossa Cidade

d-existe em prol da americanóide novidade.

Quando tu & eu vamos à Hipermercearia,

eu disfarço mal rancor & agonia.

 

Hermínio não é (nunca foi, nem será) de H. o melhor assunto.

O melhor que há na vida é uma sandes-de-presunto.

Digo: logo depois das Filhas, do União de Coimbra & do Benfica.

Digo: e de saber cada credo filho-da-puta-mafarrica.

 

No fundo como à flor, “queira-ou-não-queira-o-papão”,

o sempiterno Zeca renovou, de Coimbra, a Canção.

O resto é tudo merdice de maus-imitadores

da real-puta-que-os-pariu & da Senhora-das-Dores.


 

150

 

Já hoje consultei o borda-d’água-das-marés-lunares.

(Não, não irei a um mcdonald’s comer contraplacado-de-carne.)

Serei lunarmente lupino, mordendo porém em ninguém.

Esse meu tempo de pensões com casadas literalmente emurcheceu.

 

Já hoje revi o meu papel de calotes pessoais intransmissíveis.

É só coisa de uns poucos contos, digo euros, impassíveis.

(Ao balcão do D., um bêbado ralha com outro mais sereno.)

O ralho é sempre o mesmo – e o mundo, sempre pequeno.

 

Embebedo de pão as minhas pombas,

essas a que chamo minhas sem notário.


 

151

 

A cada um(a), sua estrada-de-Damasco,

sua vertiginosa rosa, árida, maninha senda.

Não nos importe já quem nos ofenda:

entremos, cada um(a) a sós, em este tasco.

 

Eis-me-te-nos-vos ante a galeria de groselhas,

petiscos subindo a bocas, sortido de vinhos,

baunilhas, anchovas, delicados homens brutamente sozinhos,

terra do leite-&-do-mel sem vacas nem abelhas.

 

Às 14h47m de uma tarde globalmente anónima,

aquietemo-nos ante a global indiferença.

A esperança é de si mesma carga antónima

– e é-o bem mui mais do que se pensa.

 

Riqueza de olhos azulíneos, como redondas piscinas,

assoma ao umbral da taberna, tipo extraterrestre.

É uma turista extraviada lá das arestas alpinas,

perdeu-se entre nativos – e fê-lo sem livro ou mestre.

 

Copiei hoje, à infomáquina, linhas do ido Abril.

Nem sei por que ainda o faço: se por má-fé, se por bagaço.

Onde ganharei – retórica pergunta – meu seguinte ceitil?

De onde o dra(c)ma, a rupia, a coroa, a esterlina, as notas em maço?

 

Vinde tomar algo, vinde, aqui cenacula-se bem.

Faremos cardinalícia ceia, à de Dantas (“pim!”) maneira.

Não podeis: tendes V.ª vidinha organizada, até porreira,

não tendes de aturar poetidiotas-tipo-zé-ninguém.

 

Nem todos nos perdemos já, até mais ver.

As marés cronometram a costa, infinitas.

Não é inteligente levarmos existências aflitas.

Oceânica escuma, teu contar não tem conter.

 


 

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Canzoada Assaltante