© Minor White
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Pela
alva, o céu de Coimbra franqueando a maravilha consistente no voo multitudinário
das andorinhas. É fenómeno que me enche invariavelmente de uma furiosa euforia.
A minha vidinha, naquele momento, carece menos de sentido do que de importância.
Assim é.
Outros
se lhe sucedem – mas todos de menor fulgor que o da andorinhação. Nem metade da
majestade logram, valha a verdade. Ainda assim, hei que experimentá-los, anotá-los
para amnésia-futura. Cedendo à facilidade infeliz, experimentei, antes,
amargura & inércia. E não quero tal.
Visito
amanhã o meu Irmão. Visitei hoje o Gato-Sépia-Alvo. Devo chegar à noite de
trabalho sem haver, de dia, pregado olho. O que for, será. A caloraça desta segunda-feira
não foi tão bruta quão tem sido – mas já os meteoboletineiros ameaçam que o inferno
estará de volta na próxima quarta.
Lopo
Capela Zardo Carvas toma cerveja muito fria no Café V. do M. Faz ele muito bem.
É carpinteiro de mérito, ganha desembaraçadamente a vida, trabalha muito &
muito bem, bem merece o refrigério da cervejola pelo entardenoitecer de mais
uma jornada madeirófila.
Quioto
Belro Crisol Lenente leva a passear o cão & a netinha. O animal vai
eufórico (como eu, sub-ante andorinhas), a menina quer um gelado. Vêm para a
esplanada do V. do M. A criança consola-se com a gélida iguaria; o cão, obrigado
a sentar-se, já se aborrece. Não é possível agradar a gregos & troianos ao
mesmo tempo.
Mas
tenho de modificar esta mesmidão existencial que há anos demasiados entorpece o
meu percurso. Só comigo devo contar – não com vãs esperanças, não com
improváveis milagres. Posso contar com a volante alvorada andorinheira – sim,
posso. Mas a sopa no prato e o livro publicado – são comigo apenas.
Malmo
Alvor Regateiro Félix pensa o mesmo de si mesmo (cf. parágrafo-hermínio
anterior). Também ele se tem basta & vastamente desperdiçado. É verdade,
porém, ser ele possidente de meios materiais de que Hermínio não pode congratular-se.
Mas mesmo assim. Mas mesmo assim.
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Não
me desgostaria possuir um vintém de ouro por cada passada que dei já nesta /
por esta Cidade. Sem tal remuneração embora, seguirei pass(e)ando-a, assim me o
permitam o fôlego & o ácido-úrico.
Roço
demasiadas vezes o quási-desespero. É vicissitude (vício & atitude) minha. Não
importa. Por vezes, fulguro numa espécie de antecâmara palaciana. Por outras,
varro apenas a cabana.
Observo
atempadamente cada formigueiro. Sempre que posso, abandono açúcar em azimute
que seja propício a esses retinto-negros seres transportadores & servilhões
de sua rainha. E então escrevo.
Julgo
hoje porém que já em 1981 eu de algum modo sabia. Ou então, julgarei amanhã que
já em 1981 eu de modo algum sabia. Venha o Diabo das escolhas – ou os Anjos que
levitam nas mais outonais folhas.
O
cálix, até às fezes imbuído de líquida amargura, é para sorver de emborco. Metáfora
fácil, receio-o bem. Não irei a Londres nem a Paris. A Madrid fui já – mas
tão-só duas noites com seus incompletos dias.
(Hermínio
tem bem mais piada quando orador do que enquanto escrevedor. Quanto a isso,
todavia, nada a fazer. A escrita arroga-se uma importância profética de
escritura – que o quotidiano aliás desmente com uma perneta-às-costas.)
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Pego
às zero-horas no serviço por que magramente sou pago.
O
contrato, devidamente assinado pelas partes, estende-se a 19/9.
Tal
precariedade não afecta nem o que como, nem o que cago.
Nem
faz rebrilhar o Sol, nem enxuga o que chove.
Tem
um Peugeot antigo, o homem Falua Palafrém Estugado Mirante.
É
roçador-de-mato, cauteleiro, onzeneiro, sete-mil-ofícios.
Tem
gastado a vida em mais sete-mil-sacrifícios.
Uma
das filhas não fala com ele – mas, a isto quanto, adiante.
Já
entardenoitecer – e eu sem Mãe a que(m) recolher-me.
Quem
mal faz sua cama, mal nela, ah sim, dorme.
Não
é que me sinta vil, desprezível, execrável ou verme.
É
só uma orfandade certas noite enorme.
Tenho
de repensar tudo como se de novo.
Hei
ainda tempo, julgo eu, antes do asilo.
A
alegria é sem-peso; mas a tristeza, ao quilo.
Que
a morte só possa cercear qualquer meu ab ovo.
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