Mas isto sem
enredos nem dramas
Durante
duas semanas, não soube que fazer nem da nem à minha vida – a quinzena de
descanso (aliás justo, merecido aliás) dos trabalhadores desta Casa fez com que
o meu trânsito temporal pelo tórrido Agosto equivalesse, ora nem menos, a um
ardente viático deserto sem fofuras frescas de oásis à miragem. Duas vezes sete
dias sem uma embirraçãozinha com a Câmara – caramba, sempre é estopada, sempre
é seca, é ferro sempre! Mas enfim, o Jornal está de volta. Vem arejado,
ourejado, bronzeado. Vem são como um bebé de boa casta e de rosada compleição
já muito capaz de seus gu-gus & de seus dá-dás.
Setembro
aí está. Hoje é o dia n.º 1 dele. Já se ouvirá roncar a maquinaria de
reconsolidação das barreiras? Daqui onde escrevinho, a não sinto. Talvez amanhã,
útil dia também. Cuido tão-só, riscando-me porém a papalvas facetas de ingénuo,
que à palavra dada se dê seguido acto – e que as orçadas obras arranquem sem
mais. Nem menos.
Nisto,
num sítio por acaso não longe daquele em que o meu Leitor me segue as linhas,
abeira-se-me um sujeito espadaúdo de que não conheço o nome mas cujos ademanes
reconheço. É de cabeça cúbica como uma esfera errada, carão de malares
metalúrgicos em que negreja um bigodão de crepe lutuoso, nariz esponjoso qual
framboesa feita de fígado, olhinhos desconfiados como pardais pretos e de
pescoço grosso sulcado de cordoveias sujas & fortes como lianas amazónicas.
No fundo como à flor, não é mau tipo. É apenas burro. É apenas mula. Gosta de
atirar trocadilhos sentenciosos mas fáceis do género: “É preciso mudar as coisas do Estado para mudar o estado das coisas!”.
Ou então paradoxozitos desta classe de pacotilha: “Isso foi gajo que até no morrer teve sorte!”
Ele
àquela mesa, eu a esta. Moita-carrasco
(sem flores de trocadilho) da minha
parte. Cúnfia nenhuma. Laissez-estar,
laissez-palrar. O gajo sente, manando de mim como uma febre electrostática,
um silêncio de espessura de edredão. Sorrelf’olha-me de oblíquo viés.
Desconfiado, ele – hoje em dia, escrever num Café sem ser no tablet ou no telelé mas sim, ainda por cima, a caneta e em papel – pode ser de
grande melro, mas não grande espingarda. Sinto-o presa agónica de uma ardência
comichosa. Herpes da mente, urticária da alma, psoríase da perguntação, frieira
do diga-me-cá. Incapaz de açudar a torrente daquilo que matou o gato, vozeia-me
ele:
–
Você desculpe, mas isso aí da escritura é
mais nódoa atirada ao pano do sôprezdentedacambra ou quê?
Tiro
os óculos para o ver mal e, sem uma palavra, meneio o capacete que não.
Mas
ele:
–
Você desculpe se quiser, mas é qu’isto
tem sido das suas partes um inzajêro, qu’ele é o home’ nas procissões todas
imaizalgumas, el’é ele a birabaixo nas barreiras, el’é ele a deixar sujar o
Tejo como se o Tejo num tibesse auga suficiente pa’ se lavar, el’é ele tudo e
todo por coisa nenhuma.
Mazeu, sempre
assilábico, de uma afonia manhosa sempre, escorneio o meu casco – que não.
Acalmado,
o bigodão então assim para mim:
–
Bom e bem-haja atão assim, q’atão assim é
bem melhor. Em-fim, sempr’aforam duas semanitas estas de quétude & sossego,
pois atão num foram?
E
eu (ou: mazeu), resguardando-me a
caneta & guardando-lhe rancor, abandono o proscénio, sem nódoa que caia
onde
CAI
O PANO.
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