31/03/2016

Rosário Breve n.º 450 - in O RIBATEJO de 31 de Março de 2016 - www.oribatejo.pt

De arte bela (ou Duarte Belo)

Quando lhe apetece, a vida terrena (que outra não há, haverá?) ainda é o melhor sítio onde se pode estar. Às 15h17m da terça-feira, tal evidência abraça-me como um soldado de regresso à metrópole sem ferimentos coloniais.
Fisicamente longe embora eu, um livro ilustrado ribatejana-me o instante solar. (Dir-vos-ei futuramente, com mais fôlego e mais demora, outras graças virtuosas de tal obra, que se chama Portugal / O Sabor da Terra – Um Retrato Histórico e Geográfico por Regiões e é de tríplice autoria: do historiador José Mattoso, da geógrafa Suzanne Daveau – viúva do grande geógrafo português Orlando Ribeiro – e do fotógrafo/arquitecto Duarte Belo.)
Assim é pois que desfilam, ante o meu nariz fumador & metediço & mui dado a mostardas, formosíssimos postais completamente portugueses de Arriba-Tejo que o olhar do tal Duarte Belo gerou: as construções paliçadas do Patacão (Alpiarça); Vale de Cavalos (Chamusca) com sua cheia de 12 de Janeiro de 1996; a majestade filosófica do Palácio dos duques do Cadaval (em Muge, Salvaterra de Magos); a solidão talvez feliz de Nossa Senhora de Alcamé, na lezíria de Vila Franca de Xira; a torrejana antiguidade romana da Villa Cardílio; o sal geométrico da riomaiorense Fonte da Bica; São Ruy Belo da Ribeira, perdão!, São João da dita, na perpétua & castreja infância do Poeta que demasiado cedo se despediu da terra da alegria, Rio Maior também; do grande Alexandre Herculano, Vale de Lobos (Azóia de Baixo); a renda cimalha eternamente feminina & petreamente perfeita do tomarense Convento de Cristo; e, para já como para sempre, esse Poema mineral sem par no mundo chamado Castelo de Almourol, que Gualdim Pais, edificador militar da memória, por assim dizer escreveu.
Como a tarde que a ela preside, esta crónica (de)corre bem. A pele é grata à luz morna, esta luz fixada ao chão pela estacaria do arvoredo. Levíssima brisa despenteia & repenteia a flora chã: chã como a vida terrena, terrena como a vida chã. (Eu sei que onde escrevo não é Ribatejo – mas é, de tão doce, como se fosse.)
Um momento, por favor: telefonam-me. Atendo.
– Daniel?
– Viva! Com quem falo?
– Falas sozinho como o doidinho…
Desligo.
Não concordo: há 450 semanas, contando com esta, que não é solilóquio o que nesta página hebdomadária me acontece. É muita semana. Quási-quase nove anos. Há vinte, no remo(r)to Outono de 1996, estive em trabalho de repórter na Vossa (mas minha também) Scalabis de tão bom arejo. Entrevistei na ocasião um primo do gigante Bernardo Santareno. (Nota curiosa só para Vós todos/as: a minha coluna chama-se Rosário Breve porque Bernardo era António & porque Santareno era Martinho do… Rosário.) Isso passou, como tudo passa, a começar e a acabar pela vida mesma.
O que não passa – é este inesperado amor meu à Casa & à Causa ribatejanas. Não as do folclore marialva, atenção! Não as da suposta festa dita brava, atenção! Sim as das pessoas civicamente oxigenadas com que me tem sido dado o subido privilégio de t(r)ocar dois dedos de testa & quatro de conversa. Sim as daquele dia em que fui com o por estes dias aniversariante Zé Freitas, esse grande (em todos os aspectos, até no calçado) fotógrafo de aves (raras) & febril activista da jihad Sportinguista, a comer o fino sável frigido & enxuto, a serpentina enguia, a nobre posta de carnação vermelha.
Dão ora as dezasseis horas mais dois minutos. (Quem dará a hora? Quem no-la tirará? Não sei. Não sei. Sei tão-só que a recebo. Que ribaterrenajanamente a recebo – e a agradeço.)
O telefone, outra vez. Antes de atender, pergunto-me em voz alta (sois Vós os ouvidos) se será Gualdim Santareno ou Bernardo, o do Rosário, Pais.
Ou se, com alguma boa-sorte, é Duarte, segundo-filho de São João da Ribeira, perdão!, de São Ruy Belo da dita.



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