Tudo e menos alguma
coisa
1 Não é por ter
descoberto ou inventado a gravidade
que Newton não possa jamais ter-se rido de algo ou de alguém. Sensível a maçãs
na tola e propenso a sestas à sombra vegetal de macieiras, aquele homem arguto
tornou-se definitivamente num verbete incontornável da voragem enciclopédica do
Tempo e do Conhecimento.
2 Cervantes, o Miguel
espanhol, é outro. Inventou (sem itálico) a figura-gigante do D. Quixote de La
Mancha, o inesquecível magriço do elmo de barbeiro que via nos moinhos os
papões do vento – coisa que de facto & deveras eles eram & são. A par
do seu camarada portuga Luiz Vaz,
Miguel, como o Isaac ali de cima e como o Toyota
de antigamente, veio para ficar, rastreando na lembrança, a lápis-lazúli, certo
trilho imorredouro que acrisola em púrpura essa dimensão esquisita chamada eternidade-até-mais-ver.
3 Cristo, o Emanuel
libertário, involuntário rabi voluntariamente não onzeneiro, consta dos
pergaminhos e dos mares mortos como utópico salvador de quem, afinal, salvação
carece de merecer – a humana espécie fabriqueira de tanto mal, esse erro
descomunal do Pai dEle.
4 Bernardo Santareno,
de óculos de massa grossa & escura, sobreviveu ao & do labor
clínico-dispensário do Dr. António Martinho do Rosário (não breve). Povoou palcos multitudinários a
partir da sua solidão escriba & atroz, própria dos
Newtons-Cervantes-Camõezes-&-Jesuses. O precoce desaparecimento físico
livrou-o, afinal & enfim, do desamparo: há lá maior companhia do que a
oferecida pela multidão incontável dos mortos? Não há, nesta vida.
5 Ana de Castro
Osório, a digníssima & proficientíssima senhora de quem Camilo Pessanha
era, mas não foi, cativo – que grande pessoa, Ana. Chá & mesa-de-camilha.
Biscoitos filológicos. Instrução literária & moral das crianças que nascem
velhas. E vice-versa. Paladina de metade-do-mundo + outro-tanto: mulheres &
homens. Sábia. Ledora. Escriba. E na linhagem ancestral do mais nítido, do mais
formoso Poeta Português vivo: António Osório, Autor de Luz Fraterna e de Aldeia de
Irmãos, além de, por azar e/ou por acaso, antigo Bastonário da Ordem dos
Advogados. Ana, Camilo (o de Macau,
não agora o de Castelo Branco),
António – três bandeiras que o meu/nosso Portugal não sabe desfrad’hastear,
coitado.
6 Eusébio da Silva
Ferreira & Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro: dois miúdos que, nascidos
embora em aparato de pobreza, vingaram (inatamente, primeiro; trabalhosamente,
depois) na ludopédica arte da bola a enredar. Alpinistas-sísifos,
mergulhadores-tântalos, são dois bravos de calções que espalham alegria como
nenhuma feira-popular há-de alguma vez ser capaz de. Eles & a senhora minha
Mãe. E o senhor vosso Pai. E o senhor meu Pai. E a senhora vossa Mãe.
7 Carlos Paredes.
José Afonso. Carlos Seixas. Aristides de Sousa Mendes. O Infante D. Henrique.
Carlos Lopes. João Roiz de Castelo Branco. Ouro. Ouro. Ouro. Ouro. Ouro. Ouro.
Ouro.
8 Tido em rol o
exposto onomástico de 1 a 7, que
direi dos corruptos pró-droga da (ou na) PJ recentemente indiciados? E dos
catatuas-chefes das Finanças trazidos à força de azeite policial ao lume da
água jurídica? Que deles todos direi? Direi o mesmo que o peixe faz & o
mesmo que eles são: nada.
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