Às
primeiras
1
Sétimo de sete, quando nasci o meu
Pai era já tão velho, que às segundas-feiras estava fechado como os museus. E como
os sapateiros. Esse meu involuntário bioanacronismo azedou-me, de pronto, o
soro-doce do mamilo maternal, que amorangadamente virginal me seria, não fôra
ele aleivosamente pré-chupado pelos prévios seis bacorinhos de minha irmandade.
Mal-estremunhado, mais resinoso de remela do que a lagarta-do-pinheiro, dei por
mim desta insensata maneira: quanto futuro o meu Pai pôde para mim ontem, hoje
um de nós dois estou errado amanhã.
2
A crónica desta semana esteve para
chamar-se “As Mulheres de Sócrates &
As Minhas”. Acabei por decidir outra titulação. As minhas mulheres não são
de abertura-fácil como a compal-de-pêssego.
A senhora Mãe do senhor meu Pai foi Joaquina, Esquina em família. Morreu à beira-tempo do meu nascimento.
Recordo-a em projecção: por via & de viés da fala do quinto filho dela,
primeiro dos meus homens, sétimo & último que dele fui. A tuberculose levou
demasiado cedo o marido dela, que foi José. Ela aguentou o barco. Morria-se
muito, naquele quartel primeiro do século transacto, de pulmões que o
bacilo-de-Koch obrigava a expectorar rosetas de sangue. Ela levou o barco dos
sobreviventes à foz das vidas adultas. Gerou, criou, não esperou
agradecimentos. A senhora Mãe da senhora minha Mãe foi Cândida – e não só de
nome. Sofreu as do diabo amassador. Levou muita porrada, então legal, e natural
até, do marido – a quem ainda hoje não chamo Avô. Nenhuma dessas Senhoras pediu
milhares de tostões a ninguém. Daí que a crónica haja de sofrer outro título.
3
A realidade é triste por Paris já não
ser o que nunca foi: o Montmartre dos pintores trocado manhosamente pela filosofia de um rapaz incapaz de
candidatar-se a filho de meu Pai. Sou do tempo do bacalhau-a-pataco. Sou do tempo das conversas-em-família do Marcello com dois ll, aliás padrinho deste de agora só com um. Também sou do tempo em
que a dignidade natural parecia o pêssego que não vem da estufa: por ser tão própria
à carne como a pele à mesma.
4
Democraticamente falando, sinto-me
saturado da pornografia mediática que impregna o Dossier-Sócrates. Sei que a presunção de inocência etc.. Também sei
ir com o pai natal e o coelho ao circo. Também sei nascer outra vez. Vou
tentar:
5
Quando nasci, a minha Mãe era tão
nova, que o amanhã não tinha ainda sido baptizado ontem. As notícias apareciam
emolduradas a lápis-lazúli: era a Censura Salazar-Cristã que, ao menos,
morigerava as ignorâncias por assim dizer socráticas da ganância mais lerda.
Não eram anos mais felizes. Eram dias de aprender a ler-escrever-contar. E as
pessoas eram sérias da mesma maneira que as árvores acontecem pardais. A
diferença radical entre o filho que vim ser e o Pai que merecer tive, é só
esta: as mulheres dele são as minhas. E nunca vão para museus nem falam com
sapateiros, ao contrário de coisas tão mal formadas como nem sei se vos falei
já delas. Às segundas.
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