Vale
mais dizer isto do que andar no gamanço ou na droga
O mundo é depressivo porque o planeta é
bipolar.
Depressivo e deprimente. É, é. Foi o que
me ocorreu de imediato, esta tarde, ao içar da leitura de um livro maravilhoso
o olhar para a circunstância real-terrena. (Cronicar-vos-ei em breve essa
leitura e esse livro: foi escrito por um gigante meu Amigo.) Ímpio e míope, o
olhar devolveu-me a existência desfocada do derredor: dois velhotes grasnando
que “o Tondela facilitou aquilo tudo aos gajos,
olha quem é o Petit”; uma solteirona mais encarquilhada do que uma laranja
com celulite tripulando à arreata um caniche feio como o susto e incapaz de
perder um pneu para mictório; dois toxiarrumadores filhodaputando-se mutuamente
a pretexto, et pour cause, do
território a explo’esportu’lar; e, ainda, a minha mesma (má-)consciência de
algumas obras & algumas pessoas só serem imortais enquanto eu próprio não
esticar o pernil.
Voltei logo que pude à leitura – mas o
interlúdio pisara-me as vísceras da desesperança. Pedi outro café, incendiei
outro fumante e resignei-me a reiterar o desconcerto sem conserto do triste
mundo além-óculos.
Olhai comigo aquele autarcazito: se a
honestidade pesasse quilos, este gajito seria um ás da levitação à faquir. E
ali, vêde-me bem o mal que parece: um energúmeno elegante (e jovem), que não
sou eu, a tiracolo de uma moçoila de peito oblíquo-a-subir que não me conhece
nem do jornal, a ignorante da boazona.
Entristeci qual círio em derradeiro
soluço de cera. Mirrei como outonal parra de vide pós-colheita. Agravamento:
começou a chover do quebrado cântaro de Deus que a dava. Mas não era morrinha
melancólica, não era poalha-spray: era diluviosa, a precipitação apressada.
Considerei taciturnamente que quando a chuva se excede, é pluviolação que se
chama. Mandei vir brandy. Dando de
beber a mim mesmo, cometi autogolo. Longo, beijoqueiro, macieiro, tipo
mil-nove-e-vinte. Já não perdi tudo. A bebida tisnou-me o sobrecenho, porém.
Fui ver, a neve não caía: quedava, isso sim, a evidência de as minhas alegrias
maiores serem todas do século passado. Ai que caraças. As maiores tristezas
também. Por exemplo: tenho mais vinte anos do que o meu Irmão nascido uma
década antes de mim. E eu que sempre, só, a sós, só quis que a minha vida fosse
oficina com horta ajardinada à porta. E o periquito da Dona Aurora/repenica a
fauna/debica a flora.
A minha vida? Enfim: tenho muita pena
mas não tenho pena nenhuma. Se não tenho cartão partidário é porque nenhum
partido me passa cartão. E gajas? E gajas? Não frequento talhos-de-alterne. E o
resto do mulherio é muito mas não é burro. Olhai-me o casaco. Estão-me a ver o
casaco? Não me fica mal de todo, verdade? Pois sabei que me custou 130 euros.
Custou-me 130 euros mas deram-me 118 de troco. Foi naqueles da etnia egipsya, não se pode dizer sem eufemismo
senão é racismo, numa daquelas contrafeiras de marcas com o crocodilo e assim. Olhai
agora, agor’olhai: eu deveria ter tirado o brevet
de piloto – aquilo que ali vai não é uma mulher, é um avião. Chiça-penico, ó
filho pobre do meu pai nunca rico. Enfim: ante o mar, não procuro a torneira.
Deus quer, o homem sonha, a mulher pira-se.
A Maçonaria? Nunca experimentei. É para
usar avental? Ora, isso faço eu há quarentas & tais anos sem recurso nem ao
Grande Arquitecto nem ao Tomás Taveira, que não é, nunca foi, será nunca, nem
arquitecto nem grande coisa.
A Ornitologia? Sim, gosto muito de
passarada. Até sei um truque verídico que V. transmito com todo o gosto:
sabe-se que o periquito não é periquita pela cor que debrua os orifícios
respiratórios a norte do bico. Se for azul, é macho. Se não for, é periquita
como aquela pinga maravilhosa de que só ouvi beber os outros.
À visão e aos quatro outros sentidos,
vi-me compelido a acrescentar o sexto da memória & o sétimo do
esquecimento: aquele para remediar a insuficiência do real, este para perdoar a
mim mesmo a ilusão de tão irremediável remédio.
Bem, adeus. Quem gosta muito do Islão
são os porcos – entenda-se isto como se quiser. Já os alambiqueiros de bagaço
não gostam nada dele. Mundo difícil.
Deprimente. Depressivo. Bipolar. No Pólo
Norte, geme o esquimó. No Pólo Sul, é eufórico o pinguim.
E no meio dos dois, vossemecês &
mim.
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