Projecto esverdeado por uns olhos
Os sonhos
são para se ter a dormir.
Os
projectos são para se ter quando acordado.
Os meus
sonhos são estapafúrdios (como o são, suponho, os de toda a gente), mas os meus
projectos são simples. São simples e são poucos.
Um deles
consiste tão-só nisto: ir, um destes dias menos agrestes, tomar café àquele
Vale a que Santarém dá nome e que a Santarém franqueia o Sul. A Vale de
Santarém chegado, muito prazer me viria de, permeando o portal da Sociedade
Recreativa Operária local, encontrar quiçá a senhora Teresa Horta e/ou o senhor
Alfredo Silva, habitantes que são daquela geoformosura apenas maculada pelos
fedores residuais do (deficiente) tratamento de imundícies. Com ela e com ele à
cavaqueira a mais amena, julgo o mais crível este cenário: o senhor Alfredo
evocando o poeta local que de nome houve João d’Aldeia, autor assinante da
quadra consagrada e honrada em azulejo a azul-nascente:
Lavadeiras que lavais
Na água doce e branquinha
Nos suspiros que vós dais
Está toda a esperança minha.
E de
pronto, certo disso estou e fico, a senhora Teresa ajuntaria ao lume oratório a
suave cavaca do espectro benigno e gentil da Joaninha dos Olhos Verdes, essa feminil e virginal musa de
rouxinóis que o grande Almeida Garrett ali vincou e fincou para sempre, entre
as águas que correm no Tempo que se não cansa, nas nunca por de mais celebradas
Viagens na Minha Terra.
Há tempos
já que tal projecto me incandescia o íntimo escrivão, mas a coisa agravou-se
quando, a 8 de Dezembro passado, vi uma breve reportagem da Local Visão TV. Tomei notas logo, muito
bem de antemão sabendo eu que de algumas me adviria o presente cronicar. Por e
de tais imagens, foi-me possível, sem esforço algum e sem do sofá levantar o
fofo cindido, voltar a subir ao diadema vivo das Portas do Sol, sentindo à
esquerda essa jóia (i)memorial chamada Casa-Museu
Passos Canavarro e, a toda a larga volta, o esplendor elástico que o régio
Tejo, qual veia aberta, atira em poalha de cobalto à pureza inefável e diáfana
do ar, esse ar que só no Ribatejo assim se pode respirar com os órgãos da
vista. A luz, muito alta e muito irrígua, toma conta de um gajo sem lhe pedir,
e muito menos lhe dar, explicações.
Deixei-me
por ali estar quanto pude, saciando de saúde as sílabas e os pulmões, cuidando
só de não sentir essa fome que,
parece, um tal senhor chamado Tiago Leite, afinal mero nosso empregado porque
funcionário público, abespinhadamente afiança que só passa quem quer, por mais
pobre, no distrito a que Santarém dá nome também.
À
noitinha, porém, a realidade, que não se compadece nem de sonhos nem de
projectos, muito menos de sonhadores e de projectistas, contou-me os caracteres
e mandou-me encerrar a crónica: foi quando a minha Senhora (que me esmolou
comigo se casando), mui alquebrada de honesta fadiga, chegou a casa. Arguta
como pardal e bífida como é da fêmea serpentina condição, deu logo por que
sobre a mesinha-de-centro havia não uma mas duas chávenas de ex-café. A de
excesso não podia ser minha – era, claro, a da clara Joaninha.
Ou a de toda a esperança minha.
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