Devassa, enegrecedor, as calhas, as húmidas vielas da cidade memorizada.
Sempre gostei dele, talvez porque
vento
e
verso
sejam palavras tão parecidas, quase iguais, decerto irmãs, revoadoras filhas,
ambas, da língua que as molha, como faz, às vezes, o luar à água em noite de
vento,
não sei,
apenas lembro.
Certa ocasião, numa cidade de canais de água,
talvez Aveiro,
o vento
surgiu-me pela frente como uma pessoa.
Aconteceu varrerem-se-me as lojas, as demais gentes, o céu e a terra.
Ergueu-se-me o coração, como dizem que a outros acontece na missa
ou no amor.
Se alguma vez me falarem de felicidade, direi
“Certa ocasião, numa cidade de canais de água,
talvez Aveiro,…”.
Onde estou agora, o vento faz as mesmas coisas.
Eu também faço as mesmas coisas.
É certo que estou um pouco mais prático, mais desatento sempre que posso.
A minha opinião é muito respeitada nos cafés: nunca falo do vento, só da chuva.
Em segredo, porém, pratico a arte do voador, do despassarador, do negro.
Caramulo, madrugada de 6 de Dezembro de 2006
1 comentário:
Vento e verso. Nunca tinha pensado na semelhança.
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