mais outras canções de desagravo
para o Zeca Medeiros, Amigo
1. TANGUINHO VALSEADO PARA MENTIR A MENINAS
Vê se me tiras de cima
Os quilos do teu coração
Preciso duma aspirina
Pr’àsfixia da paixão
Eu preciso de sossego
Já sou meio secular
Durmo de dia sou morcego
À noite só quero luar
Na rua sou cão vadio
Passo fome passo frio
Minha própria sombra puxo
Vísceras roo corações
Já não lato por salões
Como os teus cães de luxo
Em bairros de fama triste
Fadistei outrora em riste
Navalhagens circunspectas
Hoje reformei viola
Nem bilhar nem carambola
Nem tacadas predilectas
Vê pois se me abandonas
E se me deixas partir
Para mais muito ressonas
Quero morrer quero dormir.
2. SOMBRA
Sombra transparente pasta por mim
Indecente como gente afinal
Animal inclinado que de mim somente
Dormente cai meu lastro letal
Branca de gaze cortina
Sombra minha de menina
Fátua forma fantasmal
Um homem outro no chão
Dormindo o próprio coração
Aos pés tão vivo o animal
Consciência medo existente
Quarto fechado poente
Liga a luz ó meu amor
Eu prometo não ser sombrio
Liga a luz eu tenho frio
Nua sombra sou de vapor
3. CAPITÃO
Trinta vezes sou capaz
Uma vez repetirei
Meia vez serei rapaz
Duas vezes meio rei
E tu só minha rainha
Trinta filhos esponsais
Cem amantes à tardinha
Juro eu que nunca mais
Leitões faisões douram espetos
Sáveis e maracujás
Convidados diplomatas
Grães-vizires e marajás
Capelães e capelistas
Saiotes e espadeirames
Caparão nossas revistas
Pintarão os macadames
Seremos reino dourado
Coutadas sem fim à vista
Sacos de oiro não contado
Capelão e capelista
Os pobres não serão pobres
Antes nobres serão todos
Todos servidos de cobres
Todos com bolos e bodos
Os palafréns arreados
De mortalhas de organdi
E os donzéis mais virginados
Com virgens de lazúli
Será este o nosso amor
Daqui até ser Sião
Deixa-me só por favor
Ser eu o teu capitão.
4. DEIXAMENTO
Deixa-me só por favor
Quando é companhia que quero
Não me acompanhes no perto
Quando é por longe que te espero
A loucura tem matizes
Como as bolas coloridas
Como os olhos e os narizes
Dos palhaços suas vidas
Suas lonas alfarrábias
Suas risadas loucas sábias
Suas tendas estendidas
Deixa-me longe sem favor
Me amar sem ser amor
5. FADO COM SAÍDA À FRANCESA
(Entrada sincera, dizendo
A minha alma é uma criança mal educada pelo vento. Deita-se na erva de barriga para o ar e espera que o sol a alimente de borla. A minha alma não gosta de trabalhar. Canta fados e depois espera que chova só lá fora.
Canta)
Figuras magras de viela mal acesa
Que da pobreza mal retratam o bolor
Barcos sem mar que um dia por tristeza
Fizeram de seu mal um dó menor
Gatos e ratos cascas solas de sapatos
Bacias espinhas peixes divorciados
Polícias penhores loiças facas e retratos
Casas de tias sobrinhos vinhos fados
Não há Lisboa p’ra ninguém
De onde vim mais ninguém vem
Deixei tudo arrumadinho
Agora azeitonas queijo e broa
Não há pátria não há Lisboa
Que haja ao menos um jarro de vinho.
(Saída à francesa, dizendo
O meu corpo vai-se embora um dia e há-de ser de noite, aposto. Dez contra um, mil contra um, contra nada, contra mim. Eu já cantei. Assim seja, que há-de ser assim.)
Daniel Abrunheiro
Tondela, 16 de Dezembro de 2005
Tondela, 16 de Dezembro de 2005
2 comentários:
Os poemas serão musicados pelo Zeca?
Ou são apenas dedicados a ele?
O Intruso
Foram-lhe dados em mão. Pode ser que ele os musique. Mas foram-lhe dedicados sem essa intenção. Só por ele ser tão grande amigo e tão alto artista.
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