27/05/2022

REGISTOS CIVIS - 127 (último texto)

© DA.



Encerramento – 127

                      



    Encerro com as linhas de hoje estes Registos Civis. Outro caderno se me vem impondo, em estes dias mais precários (que de costume) da minha vida. (Ou da minha morte – isto nunca é garantido.)

    Necessito de uma depuração, uma higiene, uma purga. Ontem, domingo-3-do-4, numa taberna da Baixa, escutei longamente os deserdados da vida-coimbrinha. Fui um deles.

    Tenho falhado gloriosamente os factos normais da vida. Já nem me refiro aos ditos especiais: o Prémio Nobel para a Literatura, por exemplo. Nada disto, todavia, não ’inda, me mata.

    Tenho, também, mais bem conhecido a humanidade próxima. Não é propriamente olímpica - nem titânica. Como eu não sou, ela não teria de sê-lo. Há normalidade nisto.

    Encerro com estas linhas este caderno-improvavelmente-livro – mas como encerrar a vida, não sei. Tal encerramento é certo: mas dias há (hoje, um deles) em que a ignorância me pesa mais.

    Abril-do-22-do-XXI: voltei a dormir fora da graça-de-deus, por assim dizer. Um nicho me acolhe, bicho. Versículo, um cubículo me aloja. Tenho conservas, duas mantas. E um número: 170.

    Caligrafo estes signos talvez pressagos com alguma desenvoltura. Pertencem-me todos, a ninguém alijo responsabilidade de/por eles. Adquiri muito vocabulário – a pão deveria ter feito o mesmo.

    É o meu tempo de sopa-dos-pobres. Sempre me ele chegou, afinal. De momento, janela nenhuma se me abre à luz do entendimento. Tenho insistido na mui íntima degradação.

    Se sempre iniciar o próximo caderno-livro, tentarei a concisão lapidar que tanto admiro em túmulos sem lembrança como em livros esquecidos. Mas não sei, de momento não sei.
    
    Nisto, por o ápice da ladeira da Estação Velha
etc.



FIM



1 comentário:

cid simoes disse...

Que não seja um fim, mas um reinício.

Canzoada Assaltante