23/04/2020

VinteVinte - 20 (bocaditos)




Perspective – © Maria Popova




20.


ROL DE PEQUENOS-TUDOS

Coimbra, sábado, 7 de Março de 2020



I

Uma frase breve suficientaria o dia
– mas nada acorre ao regaço auditivo próprio.
Resta-me a frase mesma a ninguém di(t)a
– mas mal nenhum por tal, como é óbvio.

(II)

(Dias expostos ao sol como ossadas?
Conheço: são os meus, de toda a gente.
De seguida, tudos-pequenos-nadas
encolhem-se placento-fetalmente.)

(...)

IV. ROL

Frúo o meu luxozito: particularitas coisitas de auto-amestrado. Vagas (que são ondas também) paginações. Capas felizes. Rodapés demiurgos. Certeza de morrermos todos sem apelo & com agravo.

V. MARIA (MINHA TIA) DA EXTINÇÃO
(em versos, uma reparação)

Triste & inútil deveras & de facto eu seria, por nada,
Para sempre se V. não dissesse de minha Tia Maria.
Maria da Extinção dos Santos nomeada,
Benzida & baptizada, minha ida Tia Maria.

Triste & inútil toda tanta minha aprendizagem,
Acaso se de Extinção V. não desse relíquia-d’imagem.
Maria da Extinção & extinta, hoje nada:
Mas soberana efígie de minha linhagem.

Toda tonta, tenta tanta tinta aprendizagem,
Verdade, ligar-me ao menos a vozes não-capciosas,
A versos que deveras vieram ser rosas,
Como foi o caso d’Aragão-Isabel, pão-na-imagem.

De Santa Clara é extinta uma Filomena.
Refiro-me a Coimbra não-hagiológica.
A falta de leitura é mijagógica:
Tem porém o condão de me causar pena.

A minha Tia Maria da Extinção
Morreu enxuta de ventre, nunca pariu.
Nenhum Daniel a guardou no coração,
Nenhum nome outro a tirou do frio.

Aprender a escrever é importante mas pouco.
Aprender a escrever-se é-o mais – mas que o ver-se menos.
Mesmo ao mudo sucede ficar rouco.
Cus são có(s)micos buracos negros – mas mais pequenos.

Entretenho a saudade da minha Tia Extinta,
Que pó na lama é junto aos demais:
Digo: os meus Irmãos & ambos seus/meus Pais,
Lá onde o Cardal é a última quinta.

A minha Extinta-Maria é como ler Joel Serrão,
Sei lá, ou Prado Coelho (o pai, o filho não),
Ou ler a Sophia sem o filho canastrão,
Cocó-ró-ão-ão, faz, canta & ladra o galo-cão.

(...)

Recordo: a cozinhazita dela tão casa-de-fósforos,
Ao fundo do Lagar Velho lá na Pedrulha.
Tantos balcânicos-filhos-doutros, tão bósforos!
Tanto calendário-do-papa-pomb’-arrulh’-arrulha!

A Senhora Maria Minha Tia da Estação
Morreu à fome por EnteroCancr’Obstinado.
A cama que foi dela, ferro, teve habitação,
Primo, minha, hoje do meu Irmão Fernando.

Recordo: sou um fauno em bosque sem cheiros,
Criança vera, talvez seis anos, não muito mais.
Vou a casa da Tia, são os meus dias primeiros,
Ela é a virgo-nenhuma de católicos carnavais.

Parece ter acoplado, sendo solteira,
Com um incerto casado lá da ferrovia.
Parece que o irmão fez disso terratremideira
& ex-ulissou para sempre penélope-maria.

Não sei se. Maria. Minha. Carlos-pai-de-minha-Mãe.
Mas também: aquilo que insistia, mais além,
Quem vem a ser meu Pai, Antuzed’Abrunheiro.
Sei o que, século-XXI, absurd’inteiro.

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Canzoada Assaltante