17.
DIGA DE SI
Coimbra,
terça-feira, 25 de Fevereiro de 2020
Em
regular banho-maria, pensamento & entendimento marulham cabeç’adentro.
Regras como excepções, prolongado ardor como pontada de frio – tudo (con)vive
no que depois pode ser escrito. Assim, pois:
I
Gentes
remotas dizem de si na pantalha televisiva. Circunstâncias delas, do mundo, do
tempo que lhes é atirado – e retirado também.
II
Alguma
coisa para amanhã – sempre sob o signo do talvez:
ou do acaso-(a)caos.
18.
FALA QUEM SABE
& MAIS QUAISQUER COISITAS
Coimbra,
sexta-feira, 28 de Fevereiro de 2020
I. FALA QUEM SABE
Amanhã
não sei
Hoje
não sei
Ontem
sim sei.
Ontem
amo pouquíssima gente mas muito.
Amo-a
tanto, que dela, tão pouca, faço muita.
Uma
pessoa é o país a que chega morrendo.
A
pessoa vive partilhando luz mas é sombra.
Não
é que eles não continuem mas são é transparentes.
Refiro-me
aos mortos desta minha rua.
Todas
são minhas, as ruas.
Tenho
muito onde cair morto.
Diziam
– quem diria – que eu não chegaria.
Digo:
a marinheiro, mas sim cheguei:
Navego
duas Filhas, são quanto deixo.
Dobrei-me
pois, pois que um só nasci.
Nunca
ficareis mal comigo porque
Nunca
ficareis comigo.
Amanhã
não sei
Hoje
não sei
Ontem
sim sei.
Ontem,
27 de Fevereiro de 1933, nasceu Ruy Belo.
Ontem,
27 de Fevereiro de 1933, incendiaram em Berlin o Reichstag.
Nascemos
leite, tornamo-nos mármore.
Pobre
de quem é de coração furiosamente apícola.
Tenho
tanta pena de ser tão rico, Maria, tanta.
Tanto
me pertence, que me esqueci de pertencer.
E
no entanto os animais de quem fui.
E
no entanto aquela casa cuja cor me olhava.
O
rosto de minha Mãe certa manhã a ser janela.
As
mãos de meu Pai cujos dedos me olhavam a cores.
Subo
à boca quantas palavras me elevem.
Maria:
olha que eu, qualquer dia.
Sei
sim ontem.
Sei
não hoje.
Sei
não amanhã.
II. QUATRO QUADRAS P’RA-PULARES
Agora
que o conto, pode enfim retroceder o amor.
Habito
a sexta-feira mais clarividente.
Gente-de-algo
me não habita, vil estupor.
Abri
as mãos: eram estrelas-de-apenas-gente.
Serei
ainda aquele fantasma que em Viseu?
Gonga
o meu coração clepsidras de areia?
Tenho
afinal de casar-me com mulher feia?
Vou
ser o mijo ou a sombra do leão-coliseu?
Camilo
Wenceslau Pessanha de Moraes.
Daniel
Leite dos Santos Abrunheiro.
É
nome que agrega os de meus Pais.
E
sim acho piada a ter sido Abílio e Manuel o Guerra Junqueiro.
Esta
noite serei teu mas sem linho.
Vamos
para trás daquelas sentinas.
Olha
q’eu nunca paguei o favor de meninas.
Esta
noite me serás mas só se eu sozinho.
III. FÈZADA
A
Mãe foi à Praça, o Pai não volta.
O
canário é cenário (amarelo-limonado).
Leio
o meu Nemésio de alma à solta.
Qualquer
dia começo & fico acabado.
De
boa-fé à má-fila ando eu tão fartinho,
que
mortinho me sinto vivinho-da-silva.
Sem
dinheiro é que tudo me parece selva,
moedas
para o pão & notas para o vinho.
O
Rui foi-se à morte à sorte do Jorge.
A
Mãe foi-se à côrte a desnorte do Pai.
Que
raio haverá aquela Praça em alforge
que
tão rico seja, ninguém de lá sai?
A
infelicidade dos filhos-da-puta, sabes tu o que é?
É
rosa orvalhada do rocio matino.
Já
errei no que amei, mas não quando menino.
Nem
Praça nem Pai nem Mãe nem fila nem fé.
(...)
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