Endechas
orgulhosamente só para Portugueses
1 Havia a Caixa das
bolachas e havia a Lata das bolachas.
As da Lata eram para os filhos.
As da Caixa eram para quando a Avó vinha.
Seguíamos a Mãe: nós filhos nunca tocávamos nas da Caixa.
É talvez isto que é preciso dizer à ladroagem bancária destes dias.
Pena é terem Avó & Mãe morrido já.
Continua a ser preciso ter lata, todavia.
2 Outra coisa que
havia, ou passou a haver desde 1975, era Angola independente. Ao empate técnico
da guerra, sucedeu-se o reconhecimento, inevitável aliás, da auto-determinação.
Mas o povo Angolano não é independente, nada disso, longe disso. O colono de
agora é apenas da mesma cor da pele. Uma família com uma quadrilha de
“generais” – e está a plutocracia consumada. Mais me custa ter morrido cada
homem, preto ou branco, entre 1961 e 1974 – para esta nefanda cleptocracia.
3 Daria dinheirinho,
que nunca tive, para ler o mural do Facebook em, digamos, 1940, ano da
Exposição do Mundo Português. Gozão, saborearia a preceito os dislates de pasmo,
baba & ranho dos meus compatrícios ante as maravilhas de gesso &
papelão dos pavilhões imperiais. Em secreto ficheiro, faria copy-paste das
hashtags tributárias da magnificência do nosso “Império”, do nosso messiânico
Salazar, do nosso nunca desmentido fascismozito-de-paróquia, do nosso
Portugal-dos-Pequenitos-do-Minho-a-Timor. Mas quando éramos miúdos não havia
Facebook. Havia os nossos Pais vivos. Aprendia-se muita coisa na mesma, que
carago.
4 Parece que escrevi
um palavrãozito. Já não vou a tempo de substituí-lo por alguma interjeição mais
branda. Fica assim. No devido contexto, o calão é-nos tão natural quão uma
tachada de feijoada, uma travessazorra a transbordar de cozido, o contentor
inchado de lixo a deitar p’ra fora – ou uma écloga definitiva de Camões.
Repare-se nisto de o reeleito presidente do Sporting Clube de Portugal ter
blasfemado – ou bardamerdado os infiéis ao Leão. Mal nenhum, acho eu.
Francamente: mal nenhum. É português, é só nosso. Antes isso do que ser gago. Independentemente
de qualquer contexto, a portuguesíssima palavra "bardamerda" não tem
rival. Aquilo da "saudade"? A saudade que vá bardamerda.
5 Não faço a mínima
ideia do que sejam dez mil milhões de euros.
Não faço a mínima ideia do que sejam mil milhões.
Não faço a mínima ideia do que seja um milhão.
Mas de um gatuno, ah sim, tenho ideia.
De um vezes dez milhões deles.
Porquê?
Fácil: porque somos dez milhões de pequenitos que, podendo, roubaríamos também
o nosso naco em detrimento do vizinho, quiçá do próprio irmão. Ou do nosso
filho, roubando-lhe o neto. Se vos parecer cru isto que digo, ainda bem. A
factura falsa é a nossa vocação, não a reivindicação de um fisco mais justo,
mais equilibrado, mais pertinente. É como dar uma moeda de dois euros para
a-fome-em-Angola. É ou não é? É pois. Ou como ter saudade do tempo em que já
tínhamos ido bardamerda mas não sabíamos, como ainda hoje não sabemos e como
amanhã nos não lembraremos.
Que
carago.
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