O CASO DA MORAL DA
PORCA
O
meu vizinho tem uma porca que escapou à morte por causa do cio. Foi ele, não
ela, quem mo disse. E eu acreditei e acredito. Acredito mas penso. Várias
coisas.
Penso
que, afinal, o sexo não é a porcaria que dizem. Pelo menos a partir de sábado
passado, dia de matança que não foi de matança.
Reparei
há muito no facto português de as quatro letras da palavra “amor” serem as
quatro primeiras, também, de “a morte”. Mas isso é ortografia nacional. Este
caso da porca ciosa (que se chama Ruça mas é branca e rósea como uma solteirona
involuntária) levou-me para outros aléns pensativos. Mesmo. Muito.
Perguntei
ao meu vizinho como é que ele sabia. Que ela, enfim, estava “saída”. Ele
respondeu: “Anda distraída. E despreza o comer.” Fiquei maravilhado. O povo é
deveras o maior sábio. Porque eu quis ver a Ruça. E vi: estava distraída. No
olhar, aquela ausência mística de actriz de telenovela. No grunhir, aquela
surdina que nasce das trompas do sul do corpo. No mexer, aquela preguiça
enérgica de quem iria mas não vai porque só ia se fosse. Na hora, aquele
instante de quem, estando ali, estava acolá, perfumando de alma uma essência de
corpo, tendo “corpo”, por outra ordem, as mesmas letras de “porco”.
A
Ruça não foi abatida no sábado passado. E não o será enquanto estiver como
está. O que é bom para os porcos, penso ainda, também há-de ser bom para as
pessoas. Sobretudo a moral. Que é esta: se sentirmos a morte por perto, o
melhor é comer pouco. Comer pouco e distrairmo-nos muito. O mais possível.
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