Querendo, leiam só
o ponto 6
1 “Recapitalização”.
É novo eufemismo para “reiteração de roubalheira”. Aplica-se, agora, à Caixa
Geral de Depósitos. A coisa pública. Até agora, parecia coisa exclusiva dos
bancos privados. Aqueles que, havendo outrora lucros, gozavam privadamente
deles. Aqueles que, havendo agora prejuízos, gozam publicamente da tal
“recapitalização”. Um vento de insanidade devasta sem obstáculos a banca à
portuguesa. E vai tudo dar ao mesmo. E vai tudo dar aos mesmos.
2 Uma mulher
desconfia de andar a ser corneada pelo marido. Vai daí, afoga o próprio filho
de ambos. Não consigo descortinar a relação causa-efeito. É como se, de
repente, a realidade portuguesa se tenha posto toda a imitar o Correio da Manhã.
3 Recentemente, uma
senhora apontou-me o dedo indicador: “O senhor só escreve coisas pessimistas.”
Foi o que o dedo me disse. E eu, que tenho por norma não chamar “idiota” a uma
senhora, acabei sofrendo a desconfiança de ter começado este mesmo ponto 3 chamando “senhora” a uma idiota.
4 Sem convite, uma
recordação irrompe-me redacção adentro: a daquele dia em que a minha Senhora
& eu fomos a Santarém visitar o meu cunhado Zé Carlos. Dei uma volta
anónima pelo burgo. Fixou-se-me à retina o lixo, o mesmo que agora é bárbara
moda incendiar nos contentores. Pelas ruas, as imundícies voavam baixinho como
os crocodilos. Garrafas de plástico. Sacos da mesma matéria. Cascas de melão.
Fotografias rasgadas. Livros do Rodrigues dos Santos e do Paulo Coelho. Alarmes
internos da Caixa Geral de Depósitos. Classificados de massagistas do tal Correio da
Manhã. Esse dia já lá vai e cá não volta. Recordo todavia o regresso:
deu-se por terras mais limpas, mais lavadas, menos sujeitas à incúria insensata
que propicia comportamentos de intolerável vandalismo anti-cívico.
5 Devagarinho e
silencioso como um gato, o Verão acabou chegando. É como se o nosso vizinho
Norte de África tivesse de repente escancarado o portal do forno. Toda a gente
sabe que Outono & Primavera são coisas que já não existem. A Madre-Natura
já só exerce o maniqueísmo: ou invernia agreste, ou estiagem canicular. A
moderação temperada esticou o pernil. Sofro pena disso. À brutalidade
centígrada, prefiro o que já não podemos ter: a sombra humanista da rendilhada
latada de cachos, o suavíssimo favónio beira-fluvial de ir ali com a mulher às
cerejas. Mas o real não é dado a versos. Nem para eles caminha.
6 Caminho eu para
sábado próximo. Será 25 de Junho. Pelas quatro da tarde dessa jornada,
procederei à apresentação pública de um livro chamado Júlio Dinis – As Pupilas do Senhor Escritor. A obra tem autoria do
nosso Joaquim Jorge Carvalho, que no também nosso O RIBATEJO assina semanalmente, a páginas cinco, a coluna Zona dos Perecíveis. É a tese de
doutoramento deste meu máximo Amigo pela Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra. Acontecerá no esplendoroso Café Santa Cruz, paredes-meias com o
vetusto templo do mesmo nome. Em boa hora, por bom motivo. E por à meia-dúzia
ser mais barato, neste exacto ponto 6 dou
provimento de fecho à crónica – quanto menos não fosse, para contrariar a
senhoril idiota do ponto 3.
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