Roma 0 – Cristo 1
Não
se vê uma nuvem. Manhã perfeita. Sem uma gelha. Sem um ponto-persa. Revérberos
coriscam no dorso do rio. É muito bom ter, da noite, renascido meridional,
atenta a graça da jornada novel. Ao arrepio de antanhos recentes, a luz é de
uma pureza riscável à unha. Bêbedas de viço, as aves matinais tripulam os veios
azuis, as ramas verdes, o espaço branco, o ouro impagável da totalidade
natural. Respirar é uma conspiração de açúcar. Não há por aqui sevandijas,
sicários, bandoleiros &/ou corsários. Há gente (não muita) que se
desestarrece ao sol franco, pintalgada de joalharias coloridas. Uma dama, que
vinha a seu chá-meia-torrada, comete a ontem impensável extravagância da
imperial-com-tremoços-mas-é. Um cavalheiro, tido por sisudo, mete-se a graçolar
com cada bebé-de-colo que lhe passe ao alcance das unhas aparadas. Fiapo de
eternidade, o instante vale um coalho de cal na colina-esmeralda. Não são
vaidade, hoje, as lentes-fumadas de marca tornando de mochos cegos os rostos
humanos. Não são (tão) frívolas, hoje, as poses do tipo perfil-egípcio com que
os leitores do Expresso alardeiam
aquela cultura-post-moderna-de-saco
que nunca entenderam nem vão entender. Mesmo hoje. Mas adiante. O Sábado,
coleante jibóia inócua, vive & deixa viver em uma paz inocente de
barbáries. A duas mesas desta sobre que se amanha a crónica pró-Ribatejanos, um
miudito faz rir o pai por-causa-de-quási-nada – nada, excepto o facto tremendo
de um ao outro pertencerem para sempre. O preto e o branco não dão cinzento,
hoje não. Das prévias jornadas februárias, os grandes ventos & as iradas
chuvadas não campeiam nem enxurram nem descabelam nem geram gemer. É um
bocadito como se o senhor Adão & sua/dele dona Eva não tivessem jamais sido
compelidos à reforma mutilada. Com outro bocadito (de atenção, agora), é
perfeitamente possível a ressuscitação das espécies extintas pelo plástico do
Homem, pelos homens-de-plástico – ou pelo Demo que os não carregou a todos. Até
o Tejo (mas, hélas!, só à distância
apartada) parece um moço lavado em aparato de pé-de-alferes com a Lezíria que o
bebe & deixa beber. Uma pessoa semicerra por instantes as persianas ópticas
– & a música, à maneira de toda esfera arredondada pela claridade total,
põe-se logo a violinar vivaldismos de passarada sem caçador derredor. A Dívida-Pública? Bah! Hoje (mas só hoje,
sabemo-lo bem, que já há muito comemos broa rija), consiste tão-só no que,
todos & cada um, devemos ao que é de todos: o perfume das maçãs
portuguesas, o patriotismo rescendente do bacalhau, os bons-dias dados como pão
novo, a saciedade cervejada daquela tremoceira dama, o patusco que aqueles
bebés-de-(tira)colo acham o senhor-sisudo-de-outros-dias. Torpor pasmaceiro – a
termonuclear prumo, o vertical meio-dia dardeja todo este santo lirismo sem
caruncho, sem génio & sem progénie: este dia é filho-único, como Aquele que sabemos. Como na vida,
todavia-toda-a-vida, em instantes se faz tarde. Os telemóveis tornaram a
guinchar. O patrão da pastelaria ralha desabrida & altiaudivelmente com a
empregadita mai’ nova – que com as duas mais antigas não se atreve ele. O
momento é chegado de nos retirarmos à la
française. O exemplar do Correio da
Manhã foi parar às mãos do miudito causador de patergargalhadas, que a
feltros iridescentes o vai exsanguinando.
E
ainda: sem uma nuvem sobre que descansar a augusta cabeça nevada, o Senhor, lá
tão de cima, é obrigado a vigiar, cá tão bem baixo, Francisco – achando, como
eu acho também, que o Argentino não é católico, mas sim cristão só. E sem gelha
per(ver)sa, o danado do Homem.
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