Sei
onde está a Maddie e digo como chegar a ela
1. Julgo ser acertado
afirmar que: ou passamos a vida a contrariar a Infância, se ela nos foi feliz,
ou a reiterá-la, no caso de triste. A Maddie ter-se-á safado de ambas as
hipóteses. Ou não. Se calhar, não foi ela quem desapareceu. Se calhar, fomos
nós.
2. Esmaltados a
azul-cerúleo eram os púcaros de folha por que bebiam café de cafeteira caseira
as mulheres da Praça. Derredor do núcleo de bancas com coisas de comer, respiravam
cor e cheiros sãos as tendas com bonés de caqui, quicos de palha, leques de
fantasia à espanhola, ferramentas de brincar, bolas de borracha, corta-ventos
de lona. Bancas de mármore alinhavam a perfumaria de prata dos peixes. Do ar
amplo sob a abóbada diáfana, chegava a fragrância do frango rodando no espeto
como o ponteiro dos segundos. Aquilo era toda uma profusão de bolos crestados a
açúcar fino e a amarelo-ovo em moldura de linho grosso: chegava a ser preciso
enxotar deles as pombas do futuro, estas que ora mesmo espero no Jardim como
estátua ázima trazendo de alhures o pão que ninguém quis. Ninguém, isto é: nós,
os desaparecidos.
3. Os pais da minha
geração nunca nos deixariam, nem nos deixaram jamais, a nós tão pequeninos, em
casa sozinhos para ir beber copos fora. Os dentre nós portadores de infâncias
felizes não sofreram, por assim dizer, de mccannização
parental. Por isso me custa tanto compreender por que raio não foram os dois
pequenitos extra-Maddie entregues à criação de e por famílias responsáveis. Nem
por que espécie não foram, logo ali e no acto, presos os McCann. Que eu saiba,
os pais do Rui Pedro não fizeram da desgraça profissão.
4. É o que V. digo: não
foi a Maddie a desaparecer. Quem desaparece, são os jovens enfermeiros
portugueses. São os investigadores da ciência. São os nossos assentadores de
tijolo. É o que e é como V. repito: não foi nada a Maddie. Condenados ao avesso
da Infância, resta-nos o orfanato da distância.
5. Vale, ainda assim,
que desta pátria badameca nem todas as crianças desaparecem. Um senhor chamado
Barra da Costa elencou alguns casos felizes. O rol ciranda pelas redes (ditas)
sociais da net. Indica ele que, só no
Ministério da Economia, há oito petizes muito mas mesmo muito felizes. Nenhum
deles chegou aos trinta. Anos. O Joãozito Miguelito Folgado Verol Marques, por
exemplo. Tem 24-anos-24. Aufere, o brutinho, o vencimento mensal bruto de
5.069,34 €. Chamam-lhe “especialista/assessor”. (Como se alguém pudesse, sem se
chamar Leonardo, aquele de Vinci, aos 24
anos, ser “especialista” seja do que for…) Na
secretária ao lado da do Joãozito, batem palminhas-no-ar os outros sete
patinhos-que-sabem-bem-nadar. Entre eles, a Anita, que é da Conceição Gracias
Duarte. Também ela, aos 25-anos-25, é “especialista”. E vence a mesma brutidade
que o Joãozito leva para casa. Abençoada. Abençoada infância. Abençoadas velhas
juventudes partidárias.
Já no Ministério da Agricultura, a Joaninha
Mariazinha Enes da Silva Malheiro Novo está muito chateada. Recebe menos um
cêntimo do que limpam por mês os supra-referidos seus comparsas da Economia. E
já tem 25-anos-25, essa por igual veterana “especialista”. Ingrata! Bem mais
amarga razão de queixa há-de ter (e tem) o Ricardito Morgado do Ministério da
Educação e Ciência, cuja apressável mas inapreçável “carreira”, aos 24-anos-24,
não lhe rende mais do que os miseráveis patacos perfazedores de 4.505,46 €. Como
fará ele para gelados e downloads do
Justin Bieber é que eu não sei.
5. De modo que,
enquanto eu, de pão d’ontem no saco, acumulo o bolor de infante velho à espera
de pombas que não prometeram vir e na antemão de um futuro que hoje não há-de
chegar amanhã, acabo por deslindar (e à borla, sem querer e sem scotlandyards-de-inglês-ver-e-português-pasmar)
o paradeiro da Maddie: estará, viva e gordamente remunerada à nossa custa,
nalgum desses ministérios coelheiros.
O rostinho loiro de abandonada deu lugar a uma photoshop de cartão-de-jota (S ou SD, que o parasitismo juvenil não
distingue letras). Pois: desaparecer, desapareceu – mas pouco.
Já quanto à verdadeira Infância (pelos
menos a minha), é o que dela V. garanti antes e acima: foi-se no éter, como eu
próprio agora vou, enxotado qual pomba que não chegou a vir ao pão da crónica.
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