Pode ser que saia
Nos antigamentes da “Outra Senhora” era naturalmente à
boca-pequena que se murmurava um chiste anti-salazarista de largo espectro de
acção perfurante. Tratava-se de determinar com exactidão qual era, de facto e
deveras, o número de saias com acesso ao gabinete privadíssimo do ditador. Ao
contrário da boa prática tão própria dos mais exímios contadores de anedotas,
começo pelo fim, esclarecendo desde já o enigma. Eram sete, as tais saias.
Contai-as comigo.
A da D. Maria, criada de e para todo o serviço. Uma.
A do Cerejeira, cardeal-patriarca do regime tão mais
católico quão menos cristão. Duas.
O doutor Bissaya Barreto, influente e reservado confidente
da tenebrosa aventesma, conta sozinho por mais duas (bi+saia). Vamos, portanto,
em quatro.
E as outras três?
As outras três eram todas, e só, do Povo. Do Povo, sim,
posto que quando, por absurdo, distracção ou milagre, o Povo lograva penetrar
no tugúrio oficial do Salazar, este, histérico de repugnância e eriçado de nojo
à vista da comum gente, apalitava-se logo nas aracnídeas canelas e guinchava:
“Saia! Saia! Saia!”
Eis que assim temos, pois, as tais sete saias bem
contadinhas: se não pela anémica narração minha, ao menos por exacta e
pragmática aritmética.
Pronto, esta já está. Já está mas ainda me sobram papel
que encher e tinta com que o fazer. É com contada e contida liberalidade que
proverei ao devido número de caracteres, para satisfação e alívio do
departamento gráfico deste jornal que dá riba ao Tejo e voz com rosto ao largo
Vale. De saias, passo a ruas. Tome-se nota: não estou a dizer que é meu
travestido costume passar de saia pela rua. Chiça, não. Do tema das saias passo
ao tema da toponímia arterial urbana. Isso. Vamos lá então.
Sempre gostei muito dos nomes das terras portuguesas. Tenho
até um caderno exclusivo para anotar os baptismos da nossa geografia. Dos nomes
das terras e dos nomes das ruas dessas terras. Foi por causa disso que me
lembrei de escrever às câmaras e às juntas de freguesia (enquanto elas existem)
no sentido de me oferecer como padrinho de vielas, de becos, de pátios, de
travessas, de arcos, do que for. Não peço avenidas, nem praças, nem grandes
passeios como aquele das Águas de Santarém à Coreia do Sul que ninguém sabe
para quê mas toda a gente conhece por quem. Mas adiante, que hoje tenho a
pólvora molhada. Exemplo: a rua daquela escola primária que fechou. Proponho
que deixe de ser banalmente chamada Rua da Escola. Em lugar disso, que seja Rua
Miguel Relvas, por motivos carecas do conhecimento geral. Outro exemplo: a rua
onde em Santarém pernoitava, quando alegadamente edil, o senhor Moita Flores.
Não sei como ela se chama, mas sei como deveria passar a chamar-se: Rua D.
Sebastião. Estão a ver a ideia? Uma campanha esquizóide e algo pulha contra o
mouro vadio, uma cortina de nevoeiro
e já está: nunca mais ninguém o viu, nem espera voltar a vê-lo.
Termino em apoteótica trindade. Isto é: com três ruas.
Duas condições: a) todas as terras do Ribatejo as comungarem e b) o uso da
vírgula. A vírgula no nome dessas três ruas é fulcral, como vereis. A figura
tutelar que invoco para o triplo baptismo é não mais nem menos do que Pedro
Passos Coelho. E todas as ribatejanas localidades, para bom exemplo das
portuguesas restantes, passariam a exibir uma tríade de artérias cuja nomeação
valeria a triplicar. Desta maneira:
Rua, Pedro
Rua, Passos
Rua, Coelho
!!!
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