29/10/2011

Rosário Breve nº 230 - in O Ribatejo - www.oribatejo.pt - 27 de Outubro de 2011

No cu da esperança

É triste chegar ao outono da idade e descobrir que o futuro era afinal uma emanação do cu da esperança.
Também não é doce, à passagem pelas ruas, consultar os rostos dos vendedores de automóveis nos stands, que o ócio involuntário torna tão clone do dos papagaios empalhados.
Coisa boa não é, nem poderia ser, que este nosso país bonito e inerte se dedique a paradoxos quase risíveis como o do velório que antecedeu a autópsia (Santa Comba Dão), o do Sporting ir na nona vitória consecutiva, o da evidência de que comprar (e pagar) casa já só é acessível às vorazes e heterónimas namoradas do Pinto da Costa, o das marcas de roupas cheirarem tanto a fogueira de casório cigano, o das universidades venderem pós-graduações a quem nunca se graduou fosse no que fosse na meretriz da vida, o da obrigatória por decreto desautorização dos professores e dos polícias, o do orçamento da tropa não ser investido nos bombeiros e vice-versa, o da desqualificação dos recursos agrícolas, o das comendas por encomenda clientelar, os dos autarcazitos mui gordamente arrepimpados no lugar-do-morto dos Mercedes guiados por empreiteiros amigalhaços de cachucho no dedo, o do homossexual maçónico que sabemos homo e maçon por não trazer nada por baixo do avental, o da Igreja, sempre tão santa, tão comba e tão dão, impingindo-nos o dogma segundo o qual viver de joelhos é que é conforme os mandamentos de Deus, o do euromilhões sem sorteio que paga por nossa conta aos gestores públicos salários e prémios impensáveis fora de qualquer libreto de opereta pornográfica, o das parcerias público-privadas com que a água de todos se torna no conhaque de alguns e o do Sporting ganhar há nove jogos seguidos, não sei se já vos tinha dito.
O resto é digno da nossa passividade: a imoralidade pulha dos euroeconocratas, a secura intelectual do senhor Presidente da República, o desastre do coiso, o Angélico, ’tadinho do menino, a graxa capilar do Ruas dos municípios, a papeira lípida do Proença dos sindicatos, as inaceitáveis subvenções mensais vitalícias dos ex-deputados, as intoleráveis frotas BMWeiras dos figurões capatazes das empresas ditas públicas e o Sporting ainda ganhar o décimo se nos não pomos a pau com as conquistas de Abril ou lá o que era aquilo de, antanho, a poesia ter saído à rua, lá no cu da esperança.

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Canzoada Assaltante