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61. LAMPEJOS OPALINOS PARA COROAÇÃO DO CORAÇÃO
Leiria, segunda-feira, 4 de Julho de 2011
Hiberno em pleno Verão os meus lutos. Desperto e ponho-me (sonho-me) logo a viver o mais devagar possível. Dou-me a conciliábulos ante a quieta liturgia (letargia) dos objectos da Casa, primeiro, depois ante a dos da Rua, do Rio. É quase alucinatório e quase vegetativo – mas (ainda) não mata, ou enlouquece, ainda não. É transfiguração – isso é – e usa harmonias várias. Dão-se-me, por assim dizer, lampejos opalinos. É a coroação do coração.
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É muito provável que as páginas (ou seja: os dias) que venho, vou e irei escre(vi)vendo mais não possam do que roçar a implacável inefabilidade dos meus vícios, das minhas atitudes e das minhas vicissitudes. Talvez. Só que não posso deixar de perseguir em tinta (im)permanente o esmalte coralino-nacarado da luz que a tudo enverniza, havendo Sol: as folhas das árvores coruscando conchas ópticas, pérolas fotossintéticas que, à imagem e semelhança das estrelas de uma clara e lavada noite de Verão, refulgem-chispam-faúlham-centelham-cintilam jaspes, ónixes, opalas, safiras, ametistas, topázios, madrenácares, ágatas, o tudo resultando em uma perturbadora (que não turva) minúcia, naquilo a que não posso deixar de chamar alumbramento. Os rostos e os flancos das coisas (incluindo, é claro, pessoas e animais) incandescem, eflorescem, celebram as suas involuntárias emanações reveladas e reveladoras – e fazem-no em púrpura branca, em leques e plumas, sedas e chitas, numa ganga luminoverbal que entontece até o menos coroado coração. Por exemplo, as mulheres de Leiria, porque também ninfas, são Lísides: ou Tágides do Lis. Aprecio delas as crinas lavadas e brilhantes, espécie de ouro-em-couro, cada uma delas em estatuto tríptico de limiar-pórtico-umbral de algum homem que não eu: heráldicas bem acampadas num florão ébrio de luz, linhagens que fecham, abrem e prolongam os seres a porvir, ginogenealogias como capas de revista com filhos em manchete. Tanta cintilação é uma maviosidade pictórica, sem dúvida. Acresça-se-lhe a farda das pombas, essas encarnações voláteis dos dias de chuva – ou damas de salão francês finissecular condenadas pelo anacronismo da modernidade à frígida frivolidade da sobrevivência omnívora e da mundanidade nunca impune.
(Mas Dinis ama Isabel como nunca e Isabel ama Dinis como sempre.)
Catedrais e mosteiros das pombas proustianas (e dinisabelianas também, como não?), Amiens, Bourges, Chartres, Reims, Rouen, Leiria, Batalha, Lisboa, Coimbra. Mas claramente sei que as linhas do meu livro (do meu dia enca(de)rnado) são o que parecem e de que perecem: gestos gastos quase viris, quase varonis e, caramba!, quase vis. Estou em plena tarde da minha vida, pois que viver se me fez tarde. Os nervos servos dos olhos escre(vi)ventes, um pária-em-pátria-própria, poderei deveras ser Dinis?
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