De Guimarães a Luanda
Como cogumelos ou caracóis depois da chuva, proliferam por tudo quanto é sítio deste País certas e indeterminadas agências que se propõem comprar-nos ouro, prata (mesmo partida) e outros bens aceitáveis a penhor. São já quase mais do que aqueles “bispos” brasileiros que puseram Cristo a falar como o Zé Carioca e que, a troco do dízimo, nos garantem o milagre da saúde financeira, espiritual, familiar e matrimonial, para além da quebra dos quebrantos, da Sónia, da insónia, das invejas e dos maus-olhados vesgos que alegadamente nos fazem tropeçar no rançoso azeite da má-sorte. Para os penhoristas compradores de ouro e para estes curandeiros bíblicos não há nunca “casos impossíveis” – dizem eles.
Entretanto, o barco do País prossegue a bom ritmo e mau vento para o vórtice do naufrágio. Muito a norte, prossegue a comédia caríssima da Fundação Cidade de Guimarães Capital de Não Sei Quê, tendo e mantendo à cabeça a protocolar e inelutável banalidade de Jorge Sampaio. Cá mais para baixo, parece haver regozijo ante a iminente penetração no nosso “mercado” financeiro de “capitais angolanos”. Quero dizer uma coisa acerca destes famigerados e hediondos “capitais angolanos”. Para mim e para muita muito boa gente, “capitais angolanos” rimam com “carne e sangue e ossos humanos”: a carne, o sangue e os ossos de um povo infeliz e ingénuo que, depois de séculos de um colonialismo bacoco (aquele que lhe impusemos em nome de Deus e da Cerveja Cuca) e depois de décadas de uma brutalíssima guerra civil fratricida, se vê vergado pelo nepotismo de uma corrupção tão familiar quão vitalícia. Nem menos. Razão tinha o Bob Geldof quando apontou Angola como um dos países mais corruptos do mundo.
Aqui por onde moro, porém, tudo está bem. Os cafés vendem quatro bicas por dia, os bancos emprestam cinco euros se lhes pagarmos o triplo depois de amanhã, as farmácias decuplicaram o fornecimento de supositórios, o jardim público acolhe mais e mais desempregados contempladores do crescimento das flores e dos arabescos voláteis da passarada (coisa que muito incomoda os pederastas, os toxicodependentes e demais afins utentes), o ex-governador civil toca acordeão-esmola à porta da Caixa Geral de Depósitos, os ucranianos riem-se cada vez que nos olham e os chineses, como sempre, não percebem nem querem perceber nada do que se passa.
O que se passa – é que disto não se passa.
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