Parêntese
É falso que existam ainda, na nossa democracia-arrastadeira, Esquerda e Direita. Porquê? Porque o pessoal anda (quase todo) com uma mão à frente e outra atrás. Ó larilas se não anda.
Pátria-espreguiçadeira, amoral e desmiolada, conluiada com sacanas gitanos e beócios monhés, a lusa terra chega a confranger: manhosa, mesquinha, avara e ignara, parece uma vaca de tetas murchas a cujo lombo se encavalita uma sórdida corja de cevados mamadores de comendas, prebendas e demais prendas. Sem desígnio, desprovida de instrução, preguiçosa, soez, deslavada, vil e cadaverosa, a portugalidade desmerece mais e mais, cada dia que se esvai ao vórtice do Tempo e da História, o 25 de Abril que, ingenuamente, a quis reabilitar. País de doutorzecos & sucateiros, de padrecas sem doutrina & exércitos sem salvação, de sargentolas obesos & poetinhas esquálidos, Portugaleco de fadistas-couve-flor & amendoeiras–d’arrebenta-pontes: verdade, verdade, verdade, verdade.
(E no entanto, quando ninguém ciranda pela periferia do olhar, o céu português é por vezes de um azul coruscante como um azulejo lavado a beijos. As laranjeiras patrícias chegam, de formosas, a doer na nacionalidade. As searas estouram de ouro. Os canaviais inclinam o vento pensativo. O torrão-de-Alicante e o carapau-de-escabeche, a água-pé e a da fonte, o adro da igreja deflagrando de cal, a pólvora fogueteira dos Agostos da infância, as mães cuidando dos ninhos pobres, a senhora-dos-gatos sempre de cesto, o retrato do Pai convocando o amor filial a preto-e-branco: tudo isto é devida, acertada e justamente português, ainda. As mulheres lusitanas são senhoras cuja volumetria vale perfume. E as crianças são milagres individuais cuja epifania é cânfora, âmbar, mirra, incenso e estearina ígnea em noite invernosa.
E se tal vos afianço com o coração nas mãos, é porque, sem que o notásseis, furtivamente tirei de trás a esquerda e da frente a direita.)