21/11/2010

IDEÁRIO DE COIMBRA - podografias de retorno – 112 - fragmento 4



De um ponto de vista estrita e estreitamente pessoal, o exercício da tristeza por veias & artérias da coronária Coimbra tem que se lhe diga. Falo da possibilidade de, depois de breve estada no Café Abadia, subir a dos Combatentes até onde o Botânico arde verdes verticalíssimos. Faço isto com a imaginação (dói-me o joelho esquerdo) e sorrio sem dor à bruma pederasta da Sereia, ao pico de Celas, ao artesanal olvido do Espírito Santo. Lonjuras clamam: Lordemão, Rocha Nova, Eiras, S. Paulo de Frades. Da outra Banda, S. Martinho do Bispo, Casais do Campo, Espadaneira, Ribeira de Frades. Nada disto dói ou alegra – antes circunscreve um conimbricense pobre que usa os atacadores de tinta permanente nas botas de caminhante calígrafo. A podografia é a salvação que posso. Isto um dia pode ser que fique: digo: isto de ter ido, vivido, escrevivido. Este par de jovens enamorados, por exemplo.
Quatro bonitas mãos longas, de unhas bem cuidadas. O rapaz, barba desenhada a traço de carvão castanho, cabeça de historiador oitocentista, bons dentes naturais reverberando faíscas de saúde oral. A rapariga, alta e harmónica como um piano vertical, mocassins de padrão sarapintado à cantora dos anos 60/XX, bonitas orelhas de arte cerâmica. O rapaz, sobretudo preto-cinza de botões grandes (prenda de há dois natais, querida mãe), boas botas paramilitares quase engraxadas, cachecol de malha traçando o pescoço forte. Ela, lenço de seda magenta cortinando nuca e decote de alabastro, esse feminil astro dos substantivos real-naturalistas de XIX. Ele, camisola amarelo-velho com Jens Leckman escrito sob o mamilo esquerdo. A rapariga, de mamilos sem outra ortografia que a natural pontuação dos botões-de-rosa. Gosto do par, mas já a atenção se me volve preia do revérbero eléctrico da Lua, cuja epifania matinal deixará nunca de perturbar o meu coração lingrinhas.

1 comentário:

Canzoada Assaltante